Desde 01 de Março de 2022

Tom Diner

Geovana Coimbra

Minha mala abriu assim que a porta do trem fechou, era espantoso! As chaves, minha carteira e meu batom rolando por entre os acentos, tudo espalhado pelo vagão, um homem alto e bem apessoado desviou de minhas anotações antes que eu me humilhasse para as ir buscar, não pude medir meu embaraço e exasperação os dois eram em demasia. De todo modo afirmo com veemência, esqueci um tanto de coisas pelo chão, me deixei intimidar – mais pelo o homem do que pela surpresa de ter que engatinhar por entre pernas sentadas de desconhecidos logo no início de uma manhã.

Quando desci na estação, já recomposta, vi os primeiros sinais da chuva começarem, não era o momento ideal, mas dei por mim que fazia tempo que não tomava um café perto dali. Geralmente, um bom café.

Esperei encostada no balcão o jovem ansioso que em mãos trêmulas anotava o que eu queria, pedi açúcar, ele não percebeu, olhei envolta curiosa, era cedo e haviam mesas vazias, mas o garoto movia-se e atentava-se como se fosse seu primeiro dia. Nós dois sabíamos que não era.

A minha frente colocou o café, médio, eu tinha a certeza de ter pedido longo, respirei fundo, era cedo, a chuva aumentava e eu não queria criar uma cena. Ele me olhou, encarando em parte o café, em outra meus olhos confusos, demorei mais do que devia para entender, era uma súplica silenciosa para que eu deixasse o balcão, pensei em consterna-lo ainda mais e pedir para que ele completasse a xícara e me desse minha açúcar, não pense que por implicância, apenas respeito meu desejo de tomar a medida que eu quiser de café e de preferência bem adoçado, mas antes que eu pudesse argumentar percebo que ele não olha mais para mim, seus olhos estão fixos na porta, onde uma garota com tranças curtas e bochechas rosadas entra, ele se enervou, e percebi que talvez eu não quisesse mais ficar no balcão.

Sentei em uma mesa de frente para eles, ele sorria, ela apenas caminhou em sua direção e sentou-se na ponta oposta que antes eu estava no balcão. Finjo folhear uma revista, a descobri esquecida quando minha mala abriu, a página que abri me pergunta se sei como encontrar o amor verdadeiro, é um teste para que eu veja meu nível de eficiência, duvido da eficácia mas fico tentada a responder. Ao passo que procurei uma caneta a garota derramou seu café no balcão – minha concentração desvia-se novamente – , ele limpava com agilidade abrindo um sorriso amarelo e tentando dizer meia dúzia de palavras animadoras, ela sussurra algo, eu gostaria de ter ouvido, eles pareciam jovens demais, eu sou, mas às vezes me esqueço.

Comecei a preencher o teste mas algo através da janela me chamou atenção, uma mulher gritava e chorava com o telefone, ela não conseguia me ver, mas eu a via, estava consternada, parada, impedindo os transeuntes e chamando atenção para si, minha atenção, de facto ninguém parece vê-la – ou importar-se – , do outro lado da rua um homem passeava com o cachorro, ele tinha pressa, o pobre cão andava ao saltos para o acompanhar, a chuva já os cobria, uma buzina estridente foi ouvida, não encontro a direção, duas garotas entraram na porta da lanchonete, uma antes de entrar arruma sua saia que embolou-se na meia calça, seus cabelos já estão úmidos, é evidente a chuva aumentou, pediram animadas um bolo de limão e um de mirtilo ignorando completamente o que secretamente ocorria no balcão.

Antes de sentaremse na mesa olham para mim, encarando a revista em minha mão, uma delas aponta e diz “não é aquele ator que morreu?”, por impulso viro a capa, estragando meu tão mal disfarce, eu não conhecia o ator, mas a manchete lateral o aborda sobre as dificuldades de representar um famoso herói, quis perguntar a elas como ele morreu, quis continuar encarando o que acontecia no balcão. Não tenho tempo de decidir o que faria, a outra responde já não olhando mais para mim “por que os famosos gostam tanto de morrer?”. Eu não sabia a resposta, ainda não sei. O que você teria respondido? Aqui sempre chove. Faz um tempo que não ouço aquela canção. Meu café esfriou. Não soube o desenrolar de nada, nem mesmo respondi o teste, sai em meio a chuva, já atrasada e tão mais aliviada pelo início da manhã.

Geovana Coimbra

Conheça a autora

Meu nome é Geovana Coimbra, por muito tempo eu quis ter um pseudônimo, um nome de autor. Escritor nenhum se chama Geovana, mas também não se chama Cora, Machado ou Sylvia, então aceitei o meu.

Nasci e cresci em Brasília. Neta mais velha de vó nordestina, bibliotecária em biblioteca de escola pública.

Aos dezessete anos fui aceita na Unb no curso de letras, mas decidi não ingressar, motivada pela ideia de dar continuidade ao negócio da família. Transitei entre contabilidade, economia, administração e centenas de opções de gestão, não gostei de nada, mas gostava de trabalhar em uma indústria, gostava de estudar os números e gostava mais ainda das histórias que eu inventava em minha cabeça.

Escrevi mil e um livros, não terminei nenhum. Até agora.

Aos vinte três anos, vivendo em Lisboa, casada e completamente alheia a qualquer obrigação que eu achava ter com minha família, concluí minha primeira obra.

Este é o primeiro livro que recebem de mim, mas garanto que nem de perto será o último.

Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar

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