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Entrevista Revista Cerrado Cultural

Vânia Moreira Diniz Revista cerrado Cultural

Perfil Vânia Moreira Diniz publicada originalmente na Revista Cerrado Cultural, em 01 de março de 2012.

Por Paccelli José Maracci Zahler

Escritora, humanista e pesquisadora, Fundadora e diretora, por dez anos, do Centro de Treinamento de Línguas Ltda., em Brasília, DF. Formada em Letras com pós-graduação em Educação. Palestrante nas áreas de educação, humanas e literária, colaboradora de periódicos e Presidente da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal.

Vânia Moreira Diniz gentilmente recebeu a Revista Cerrado Cultural para uma entrevista, por correio eletrônico, sobre sua trajetória literária, a qual agradecemos.

RCC. A vocação de todo escritor costuma se manifestar na adolescência. No seu caso, como isso aconteceu?

VD. A minha vocação se manifestou nos primeiros anos de minha vida, entre 6 e 7 anos. Costumava ficar em frente ao professor de meu irmão mais velho em casa e de repente meu pai descobriu que eu já estava lendo e aos quatro anos meu mundo se tornou mais colorido e interessante porque podia conhecer coisas que jamais imaginara.

RCC. Mesmo morando em Copacabana, havia uma casa na Gávea cujo ambiente propiciou condições para sua decisão de tornar-se escritora. Poderia os falar a respeito?

VD. Morava em Copacabana com meus pais e irmãos, mas nas férias ou feriados corria para a casa de meus avós na Gávea. Meu avô era escritor, advogado, constitucionalista, jornalista e foi deputado por algumas legislaturas.

Sua casa era sempre cheia de escritores, políticos e gente interessante para minha cabeça de criança. Tinha tanta admiração por meu avô e era tão encantada pelo ambiente de sua casa que sonhei muito cedo em tornar-me escritora. Naquela época, no entanto não sabia que meu amor pela escrita seria num grau que os anos me mostrariam depois.

RCC. Como foi sua convivência com o escritor Raymundo de Monte Arraes?

VD. Poderia dizer que meu avô sempre foi um líder, alguém que eu admirava tanto que gostava de segui-lo e ficar apreciando os mínimos movimentos enquanto trabalhava Muitas vezes ele chamava alguém da casa e pedia que me levasse para brincar. Corria para perto de sua secretária Dona Diva, que chegava muito cedo à sua casa para datilografar o que ele andando de um lado para outro do escritório dissertava. Não compreendia como podia falar o tempo todo sem ler nada, apenas concentrado em suas próprias palavras. Parecia-me alguém especial que carregava um dom que eu não sabia explicar.

RCC. O que o escritor Raymundo de Monte Arraes lhe ensinou?

VD. Meu avô era um homem que convencia. Ensinava-me contando histórias, falando sobre os grandes escritores, abrindo sua porta, o que naquele tempo era possível, para algumas pessoas pobres que almoçavam lá, por intermédio das secretárias domésticas que recebiam ordens para que os servissem. Seu ensinamento vinha através do exemplo, de suas atitudes, da simplicidade que exalava apesar de ser um homem público e conhecido e da doçura que mostrava mesmo tendo tido uma adolescência difícil no interior do nordeste onde viu aos quatorze anos seu pai ser assassinado por questões políticas. Meu avô transmitia seu ensinamento fazendo com que eu lesse as histórias de Monteiro Lobato e as interpretasse para ele, bem como depois as de outros autores. Minha vida foi um aprendizado constante e interessante na casa da Gávea. Ele era um humanista no sentido mais vasto da palavra, porém um homem cuja ética estava em primeiro lugar e que sabia olhar para as pessoas com bondade extrema. Recordo-me de hóspedes em sua casa que era grande e confortável e, no entanto, acolhedora para todos que o procuravam.

RCC. O escritor Raymundo de Monte Arraes costumava fazer a crítica dos seus escritos?

VD. Sim, meu avô era extremamente crítico, posso dizer que exageradamente crítico apesar de seu imenso carisma reconhecido por todos que o conheciam. Quase todas as noites recebia jovens que queriam vê-lo falar e responder às suas perguntas.

Minha tristeza era dormir cedo pois gostaria de ficar ali, mas minha avó me concedia pouco tempo para que ficasse quietinha ouvindo os adultos conversarem e depois tinha que ir para a cama. Mas voltando ao meu avô ele era muito crítico. Na verdade, uma dessas críticas ficou marcada em meu coração, no princípio porque achei injusto e quando mais tarde compreendi a sua intenção, agradecia todos os dias como até hoje o faço. Eu tinha acabado de fazer uma descrição e como achava que estava boa corri orgulhosamente até ele e quando meu avô leu senti que ia me dizer algo que não seria de meu agrado, talvez pela expressão de seu rosto ou pela demora em dar sua opinião: “Minha filha, volte, leia e reescreva, você pode fazer algo muito melhor”. As lágrimas desceram no meu rosto imediatamente e ele completou: “Você quer ser uma escritora ou não”? “Claro que quero”, respondi e ele então me falou palavras que jamais esquecerei: ”Uma escritora tem que receber críticas, tem que reescrever e sentir que precisa aprimorar e principalmente não esqueça que terá opiniões positivas e negativas e terá que usar isso para se desenvolver”. Assim aprendi desde aquela época que tudo não seria um mar de rosas, mas também teria que aceitar as críticas e momentos menos vibrantes. Duvidei por instantes de minha própria decisão. Mas foi apenas uma questão de minutos.

RCC. Como ele reagiu ao ler a sua primeira poesia e a sua primeira crônica?

VD. Com emoção. Levei uma redação que fiz em casa para o meu colégio e lá as freiras duvidaram de que eu tinha escrito e chamaram minha mãe no colégio. Minha mãe também tinha estudado nesse mesmo colégio “Sacré Coeur de Marie” Ela confirmou que tinha sido eu mesma e que nunca me ajudara no que eu escrevia. Acrescentou que eu tinha muitas coisas escritas e que tanto meu pai como ela se admiravam disso. A minha professora pedira então para que eu fizesse uma descrição de uma gravura no colégio, sozinha na sala. Meus pais eram pessoas evoluídas e concordaram imediatamente. Ficaram realmente admiradas quando terminei a descrição e minha mãe levou para que meu avô visse. A emoção dele foi imensa. Quando me abraçou disse que eu era a pequena escritora e sua herdeira literária. Foi tudo muito confuso, mas essa redação depois concorreu no colégio e recebeu o primeiro lugar. Agradeço o privilégio de ter sido criado numa família extremamente culta o que facilitou muito os meus sonhos.

RCC. Como se deu sua vinda para Brasília, DF?

VD. Meu marido era Assessor Geral de Finanças num órgão público e tinha que se mudar para Brasília. Foi triste sair da minha terra, das minhas praias, do trabalho que eu estava desenvolvendo, separar de meus pais, irmãos, minha avó, meus amigos, porque a essa época meu avô tinha falecido. Tínhamos duas filhas pequeninas e tudo seria difícil longe de minha família e do lugar que eu tinha crescido e que amava tanto. Quando iniciamos a viagem chorei realmente, mas era muito jovem, estava com meu marido e minhas filhas, o que me dava forças para vencer os momentos de tristeza.

Primeiramente naquela época senti dificuldade em dormir num lugar tão silencioso e sentia falta do barulho incessante dos carros, das pessoas falando. Tinha vivido minha vida toda em lugares movimentados como a Rua Barata Ribeiro em Copacabana e depois quando casei na Voluntários da Pátria em Botafogo. Mas me acostumei ao ver a diversidade do povo brasiliense, culturas e sotaques diferentes , uma cidade nova que me recebeu de braços abertos.

RCC. Historicamente, pouquíssimos escritores conseguem viver de literatura. Assim, em fevereiro de 1976, a senhora foi aprovada em 21º lugar no Concurso Público para Agente Administrativo do Ministério da Previdência e Assistência Social. Como foi a sua experiência no Serviço Público Federal?

VD. É verdade. No entanto o que me moveu é que o Ministério da Previdência estava sendo criado e o pai de uma grande amiga, escritora e xará Vania Serra ia assumir uma diretoria e me convidou para trabalhar com ele se eu passasse no concurso. Assim o fiz. Lembro-me que fui recordando a matéria numa viagem que minha família e eu fizemos de carro para passar o carnaval no Rio . Na volta faria o concurso e tinha dúvidas que passasse. Mas fui aprovada e trabalhei lá durante mais ou menos dois anos.

RCC. Em 17 de março de 1978, a senhora pediu exoneração do cargo público. Naquela época, a senhora já havia concluído a graduação em Letras? Pretendia ingressar na Fundação Educacional do Distrito Federal e dedicar-se à educação de jovens?

VD. O Ministério da Previdência foi como tudo em minha vida mais um aprendizado, gostava imenso do meu chefe, das pessoas que conheci e do trabalho também. Aprendi a me organizar para que desse tempo de escrever e ficava até altas horas, finalizando um romance no qual trabalhava. Embora gostasse de trabalhar ali, faltava tempo para fazer as minhas pesquisas e como ia dormir apenas de madrugada, ficava muito cansada mesmo porque minhas filhas ainda precisavam de minha assistência e embora tivesse uma secretária maravilhosa que eu agradeço até hoje, tudo isso me deixava sem liberdade para a literatura tão amada. Com a minha formação pedagógica eu não tinha intenção de ingressar na Fundação educacional do DF, mas sim usar o meu conhecimento pedagógico para as palestras que ministro, para os meus próprios escritos, divulgação de autores que sem ajuda de cacifes precisavam de apoio e também como fazia no Rio, no Morro Santa Marta desde os 12 anos, ajudar as pessoas menos favorecidas, principalmente em se tratando de conhecimento. Realmente a vida estava mais apertada, mesmo assim em conversa com meu marido, resolvi pedir exoneração.

RCC. Em 1983, a senhora iniciou o registro do Centro de Treinamento de Línguas Ltda. na Junta Comercial do Distrito Federal. A iniciativa privada foi mais compensadora que a área pública?

VD. Tudo se deu de modo casual. Eu tinha alugado uma pequena sala no Edifício Ísis na asa norte de Brasília, para escrever um romance, pois em casa com o movimento de telefone, barulho natural do dia a dia, era difícil ficar uma boa parte do tempo totalmente concentrada no trabalho. Por acaso meu marido fora me buscar e estava com ele um professor de inglês da Berlitz cujo nome era Tony e que estava cumprindo um contrato de aulas de inglês na Enap onde o Prof. Paulo Diniz era coordenador de cursos. Conversamos muito e como Tony estava disposto a se mudar de São Paulo para cá , dias depois me fez uma proposta para montarmos um curso de línguas. Não aceitei na mesma hora, mas depois vi que seria bom usar meus conhecimentos didático pedagógicos para criar uma metodologia específica de ensino de línguas. Posso lhe dizer que não foi mais nem menos compensadora do que na área pública mesmo porque o Centro de Treinamento oferecia muitas bolsas às pessoas que necessitavam aprender línguas e não podiam pagar. No entanto eu amei cada minuto do tempo dedicado a essa atividade também. Era muito bom sentir como as pessoas se entusiasmavam e gostavam de ver sua evolução nas conversações. Tony também foi para mim um irmão e embora tenha falecido prematuramente continua no meu coração como um exemplo de ser humano.

RCC. O Centro de Treinamento de Línguas Ltda. teve uma boa receptividade junto aos órgãos públicos por ministrar treinamentos fora dos padrões convencionais e pelo alto grau de excelência como entidade de ensino. Como foi essa experiência?

VD. Sim, o Centro de Treinamento dava aulas individuais ou em grupos no local de trabalho ou na sede do CTL e a metodologia era sempre de acordo com as necessidades específicas do aluno. O nosso primeiro cliente foi o Banco Central e depois a Receita Federal, seguida de muitos órgãos e pessoas que também estudavam sem pertencer a nenhum órgão, porém com o mesmo intuito de aprender para que pudesse usar a língua em algo que pretendiam fazer. Realmente foi um sucesso, mas trabalhávamos demais. Chegamos a ter 1000 horas aula por mês.

RCC. Além da língua inglesa, o Centro de Treinamento de Línguas Ltda. promovia treinamento em outros idiomas?

VD. Sim Oferecíamos português para estrangeiros, inglês, francês alemão e espanhol. Tive que fechar a empresa por doença em pessoa de minha família que precisava de meus cuidados. Eu estava também com um stress imenso e o meu cardiologista me pedia que eu descansasse um pouco. Resolvi então depois que melhoraram as coisas dedicar-me inteiramente à literatura, às pesquisas, às palestras para jovens nos colégios e também para interessados em literatura.

RCC. Bem, voltando à literatura, como foi gestada a ideia de instalar no Distrito Federal uma Seccional da Academia de Letras do Brasil?

VD. A ideia foi inteiramente do nosso brilhante Presidente Nacional, Dr. Mário Carabajal, que depois de ter me convidado para pertencer ao quadro da ALB diplomada em 2009, fez o convite para que eu fosse a Presidente Fundadora da Seccional que se abriria aqui no DF na cadeira nº 01. Depois como não houvesse ainda um dirigente para a Seccional de Goiás fui convidada para ser também a Presidente Fundadora da Seccional Goiás até que a Presidência fosse preenchida. Convidou-me também para Presidente do Conselho da ALB-DF e para dirigir o Departamento de Documentação e Registros Históricos da ALB, portanto os livros do mundo inteiro doados à ALB vêm para o meu endereço e agradeço ao Dr Mário a confiança que teve e tem no meu trabalho. O estímulo que tem me passado durante todo esse tempo. Nunca tinha pretendido dirigir entidade nenhuma, inobstante ter sido convidada algumas vezes e nem isso constituía algo indispensável em minha vida, mas tem sido muito gratificante poder trabalhar em prol da literatura como Presidente da ALB-DF.

RCC. No seu escopo, a Academia de Letras do Brasil apresenta-se como a primeira da “ordem de Platão”. Como a senhora vê essa questão?

VD. Nós não estamos apenas dimensionados nos escritos que apresentamos, mas seguimos a ordem de Platão dentro da qual a justiça é o paradigma maior. Somos uma Academia “politicamente ativa” realmente e, portanto, combatemos a corrupção que associada à fome dilacera nosso planeta. Não podemos atuar de maneira mais eficiente do que usando a nossa palavra, a nossa escrita, a literatura e as artes enfim para a defesa efetiva da justiça, combatendo a riqueza fácil. Platão tinha ideias muito sugestivas para a educação e também para a forma de vencermos os reveses da vida sem ficar dominado pelo desânimo e dava devido valor ao trabalho desde cedo. É isso que pretendemos seguir mostrando aos mais jovens a necessidade de se preparar física e intelectualmente para a vida. E a nossa Academia dá o devido valor a tudo que Platão seguia como filósofo e seguidor de Sócrates.

RCC. Dentro do modelo social contemporâneo, como pode um escritor comprometer-se com “linearidade paradigmaximizativa de oportunidades subsistenciais e de acessos”?

VD. Dando oportunidades iguais aos escritores de poderem fazer um trabalho comprometido com uma população sofrida e que precisa de apoio, conhecimento. Lutamos para combater a fome , principalmente no sentido de melhorar o

mundo realmente para o nosso planeta oportunizando uma qualidade de vida melhor para todas as pessoas com seu próprio trabalho. É difícil, mas garanto que se nos dermos as mãos isso será possível assim como também a semente que deixaremos para nossos sucessores. Para isso , no entanto precisamos que todos os acadêmicos realmente se integrem e vistam a camisa a da ALB.

Acho que a ALB-DF está colaborando para esse comprometimento. Criei algumas mini bibliotecas em lugares que serão de grande utilidade para as pessoas que lá vão, como num salão de beleza, na EDAC e também numa oficina de carros e pretendo continuar nesse ritmo porque o livro é sem dúvida a melhor forma de informação e cultura de modo linear.

RCC. Qual a sua opinião sobre a profissionalização do escritor?

VD. Acho essencial. A profissionalização do escritor é primordial para que nossos pares possam se juntar numa qualidade de trabalho reconhecida e tendo a certeza que “o escrever” é uma das formas mais convincentes de não só para os próprios escritores assim como também para os leitores e as pessoas que os leem. Precisamos lutar por isso de uma forma absolutamente segura. A profissionalização do escritor mostrará a todos que exercemos uma profissão como as outras e que escrever significa trabalhar e não apenas ter um hobby.

RCC. Quais os projetos da Academia de Letras do Brasil, Seccional do Distrito Federal, para 2012?

VD. Começando pelo Dia Internacional da Mulher, com a concessão da primeira Medalha do MÉRITO DA ORDEM DE PLATÃO à Ministra Eliana Calmon, por proposta do nosso Presidente Nacional, Dr Mário, eventos de livros publicados e também o projeto de uma organização de academia Escolar para integrarmos crianças e jovens, lutando pelos mesmos ideais, e a posse de novos acadêmicos em agosto e isso tudo se juntando ao cronograma que estamos organizando.

RCC. Como a senhora vê o futuro das letras do Distrito Federal?

VD. Quanto à literatura, vejo com muita animação. Os jovens do Distrito Federal estudam muito, os artistas se dedicam à arte, música e à literatura com afinco, a única coisa que pode inibir a nossa terra é a forma de se conseguir um reconhecimento, para o escritor, porém vejo de modo muito otimista a evolução dos jovens que lutam para concretizar seus sonhos e melhorar a qualidade de vida e um horizonte mais promissor. Isso quanto à literatura, artes, trabalho em qualquer segmento, quanto ao resto sinceramente ainda não posso lhe dar uma resposta convincente, mas só aconselho se assim posso falar, que lutemos porque aos poucos conseguiremos que o DF tenha condições satisfatórias para todos.

Sobre a Revista Cerrado Cultural

Revista literária virtual de divulgação de escritores, poetas e amantes das letras e artes. Editor: Paccelli José Maracci Zahler Todas as opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos autores. Aceitam-se colaborações. Contato: cerrado.cultural@vaniamoreiradiniz

Acesse em www.revistacerradocultural.blogspot.com

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