Conheço Gabriela desde sempre. Nossos pais eram amigos e passávamos muitos domingos juntos em passeios e brincadeiras. Ela era uma menina linda, de cabelos negros e olhos azuis vibrantes. Lembro-me claramente da tristeza que começou a pairar sobre ela, como uma sombra que escurecia seu olhar. Intuía que carregava um segredo, algo que a angustiava e que desejava compartilhar. Seus pais, sempre tão gentis e carinhosos, mantinham uma aparência de família feliz, o que tornava o sofrimento de Gabriela ainda mais enigmático.
Com o tempo, a distância se impôs. Minha família se mudou e perdi o contato com Gabriela. Anos mais tarde, descobri a verdade que a atormentava: ela era fruto de um relacionamento extraconjugal de seu pai. A revelação de que a certidão de nascimento era uma mentira a abalou profundamente. Fiquei preocupada e tentei reencontrá-la, mas meus esforços foram em vão.
A ideia de reencontrar Gabriela, porém, tornou-se uma obsessão. Mesmo sem saber se ela me receberia de braços abertos, a esperança de um dia revê-la me impulsionava. E então, num momento inesperado, o destino interveio. Uma ligação de um número desconhecido quase foi ignorada, mas uma voz familiar me fez parar: “Não desligue, aqui é Gabriela!”. A emoção tomou conta de mim e matamos a saudade de anos em poucos minutos.
Naquele telefonema, Gabriela desabafou sobre a relação conturbada com a mãe, os conflitos que marcaram sua infância e adolescência, e a dor da rejeição ao conhecer sua mãe biológica. Confessou que o trauma do abandono a fez se isolar de todos, inclusive de mim. Compartilhou também sua trajetória de superação: formada em medicina com o apoio do pai, agora era ginecologista em Bauru.
Mas a revelação mais chocante ainda estava por vir: Gabriela era fruto de um estupro. Seu pai, embriagado e movido por um relacionamento conflitante com a mãe biológica, cometeu o ato que mudaria para sempre a vida de todos.
Em breve, reencontrarei minha amiga. Mal posso esperar para abraçá-la e oferecer meu apoio. Penso em como éramos inocentes naqueles domingos de infância, alheias à dor e aos segredos que a vida guardava. A história de Gabriela é um lembrete da fragilidade da vida e da importância da amizade nos momentos difíceis.
Vânia Moreira Diniz
Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar