
Em “Violeta”, Isabel Allende nos presenteia com uma saga familiar épica e visceral, narrada pela protagonista homônima em seus últimos dias de vida. Através de suas memórias vívidas e apaixonadas, somos transportados por um século de transformações sociais, políticas e pessoais, testemunhando os triunfos e as tragédias que moldaram a vida de Violeta del Valle e de sua extensa família.
A narrativa se inicia em 1920, com o nascimento inesperado de Violeta durante a pandemia da gripe espanhola, um prenúncio dos muitos desafios que marcarão sua existência. Allende tece uma tapeçaria rica em detalhes sensoriais, descrevendo a paisagem sul-americana, os costumes da época e a dinâmica familiar com a maestria que lhe é característica. A figura do irmão mais velho, José Antonio, surge como um contraponto e um porto seguro na infância de Violeta, enquanto a presença forte e independente da mãe, Cecilia, e a figura enigmática do pai, severo, delineiam os primeiros contornos de seu mundo.
Acompanhamos o crescimento de Violeta, sua educação peculiar e seu despertar para o amor e a sexualidade. Allende não se furta a explorar temas como a opressão feminina, as desigualdades sociais e as convulsões políticas que assolam o país fictício onde a história se desenrola, claramente inspirado na história do Chile. A ascensão e queda de regimes, golpes militares e a luta por justiça social servem como pano de fundo para as experiências íntimas de Violeta, demonstrando como o macro e o micro se entrelaçam de forma inexorável.
Um dos grandes trunfos do romance reside na construção da personagem de Violeta. Ela é uma mulher forte, independente e à frente de seu tempo, que desafia as convenções sociais e busca viver a vida em seus próprios termos. Seus relacionamentos amorosos, marcados por paixão, intensidade e também por dor e desilusão, revelam as complexidades da natureza humana e a busca incessante por conexão. O marcante romance com o piloto Julian Diaz e o duradouro e complexo laço com o alemão Federico marcam fases importantes de sua vida, cada um deixando cicatrizes e aprendizados.
A escrita de Allende é fluida e envolvente, com uma prosa rica em metáforas e descrições vívidas. A autora utiliza a primeira pessoa de forma eficaz, permitindo que o leitor se conecte profundamente com as emoções e os pensamentos de Violeta. A narrativa não linear, com idas e vindas no tempo, contribui para a construção de uma memória orgânica e fragmentada, tal como a própria lembrança humana.
Ao longo das páginas, somos apresentados a uma galeria de personagens secundários memoráveis, cada um com suas próprias histórias e complexidades. Filhos, netos, amigos e amantes orbitam a vida de Violeta, enriquecendo a trama e ilustrando as diversas facetas do amor, da amizade e dos laços familiares. A relação de Violeta com seus filhos, e posteriormente com seus netos, é especialmente tocante, mostrando a continuidade da vida e a passagem de valores entre as gerações.
“Violeta” é mais do que uma simples história de vida; é um retrato multifacetado de um século de transformações, visto através dos olhos de uma mulher extraordinária. Allende aborda temas universais como o amor, a perda, a resiliência, a luta por liberdade e a busca por sentido em um mundo em constante mudança. A pandemia que marca o início da vida de Violeta ecoa a pandemia que assola o mundo no momento em que ela narra suas memórias, criando um paralelo poderoso e ressonante.
Apesar da extensão da narrativa e da quantidade de eventos e personagens, Allende mantém o ritmo e o interesse do leitor, conduzindo-o com maestria através das alegrias e tristezas da vida de Violeta. O final do livro, embora melancólico, é também carregado de uma beleza serena e de uma sensação de legado e continuidade.
Em suma, “Violeta” é uma obra-prima da literatura contemporânea, que confirma Isabel Allende como uma das grandes contadoras de histórias de nosso tempo. É um livro que emociona, que faz refletir e que permanece na memória do leitor muito depois da última página. Uma leitura essencial para quem aprecia sagas familiares envolventes, personagens femininas fortes e narrativas que entrelaçam o pessoal e o político com sensibilidade e profundidade.
Vânia Moreira Diniz
Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar