Desde tenra idade, compartilhávamos sonhos e segredos, conspirando para reformar o mundo com a audácia da juventude. Sua alegria era um sol radiante, um sorriso que aquecia qualquer ambiente. Mas nos seus olhos cor de mel, eu via sombras, um reflexo de tristezas profundas que ela se esforçava para esconder.
A mansão onde vivia, com sua mãe distante e um padrasto cujo olhar me causava arrepios, era um labirinto de silêncios. O pai, uma lembrança amada e distante, partiu cedo, deixando um vazio que Elza carregava consigo.
Anos depois, reencontramo-nos em um café aconchegante, um lugar que ecoava nossas antigas conversas. Elza me olhou nos olhos, a expressão carregada de um peso antigo. “Amiga,” sua voz era um sussurro trêmulo, “a tristeza que você via… era apenas a ponta do iceberg.”
“Meu pai,” ela continuou, “morreu em circunstâncias… estranhas. E meu padrasto…” Ela fez uma pausa, engolindo em seco. “Ele me abusou. Eu tinha cinco anos.”
As palavras caíram como pedras, quebrando a leveza do nosso encontro. O café, antes tão acolhedor, tornou-se um palco de horrores silenciosos. Elza, apesar da dor, anunciou seu casamento, um farol de esperança em meio à escuridão.
Apertei-a em meus braços, um abraço que buscava consolar, mas que também reconhecia a impotência diante de tanta dor. As sombras da mansão, o olhar do padrasto, a morte prematura do pai – tudo se encaixava em um quebra-cabeça macabro.
Naquele abraço, prometi a Elza que as sombras não a consumiriam, que a alegria que ela tanto cultivava floresceria novamente. Mas, no fundo, sabia que o trauma deixaria marcas profundas, cicatrizes que a amizade poderia amenizar, mas jamais apagar.
Vânia Moreira Diniz
Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar