Hoje abri meus olhos enquanto a cidade ainda dormia e sentindo a luz se infiltrando, através das frestas da cortina, pude fazer minhas costumeiras reflexões. Sobre a vida, meu modo de encará-las, erros e acertos em que me vejo tão frequentemente envolvida.
Senti a vida, fremente a dizer-me da participação de cada ser humano e procurei entender o que realmente estava fazendo aqui, nesse mundo, ao qual queremos tanto nos agarrar. Avaliei meus enganos e acertos e fiz um retrospecto dos anos que já haviam passado.
A impressão que eu tinha naquele momento, é que estava assistindo a um filme, cujas imagens não me eram totalmente desconhecidas, mas que em sua forma completa não conseguia relembrar.
Vi a dança da vida, meus próprios passos hesitantes quando era tão pequena, a satisfação ou tristeza de cada momento e as reminiscências que se faziam profundamente presentes. Senti dor, mágoa, felicidade, amor, ternura e nas incompreensões que apareciam já pude julgar-me sem isenção.
Entendi o quanto precisava para me aperfeiçoar, mesmo já tendo tido anos para trás, exemplos de vidas que passavam à minha frente, como modelos magníficos ou em circunstâncias não tão prazerosas, muitos dos quais já tinham se ausentado definitivamente.
Pude sentir o quanto havia sido parcial comigo mesma e como precisava de forças para enveredar por caminhos mais acertados, de mais amor e tolerância, menos egoísmo, retirando esse individualismo que no fim de tudo, é o que nos faz sofrer.
Como se estivesse dentro de meu próprio inconsciente, fui notando as nuances de realização ou frustração e absorvendo com naturalidade, o que às vezes me fazia sofrer. E andando procurando detalhes, me envolvi numa regressão interessante e ao mesmo tempo ansiosa. Assim mesmo, amei cada pedaço da minha vida.
Resolvi ficar em silêncio absoluto durante um longo tempo, usufruir aquele momento de interiorização e lembrei-me o quanto precisaria disso, para ressurgir plena e vigorosa. Durante longo período, fiquei, olhos fechados com as minhas imagens, meus segredos, pessoas que desfilavam encantando meu subconsciente, lamentando meu ego,
dizendo-me dos meus defeitos, falando-me das minhas qualidades.
Então, surpreendida, pude provar das minhas próprias intolerâncias e tentar absorver os exemplos de vida que se passavam à minha frente. Quedei-me num instante de pensamentos, que se multiplicavam com força e rapidamente e então mais lentamente, detive-me em muitos pontos luminosos e outros escuros e quase impossíveis de alcançar.
Tive medo de que não saísse daquela profundidade para a qual havia caminhado voluntariamente, medo do abismo que experimentava, sem saber o que exatamente acontecia e pude constatar lágrimas que desciam, sem que eu soubesse ao menos detê-las, mas tão abundantes, que lavavam minha alma das eventuais manchas de egocentrismo e displicência em relação ao universo que me cercava.
Lentamente, então, fui me retirando daquele transe voluntário e lembrando mais lucidamente do destino dos seres humanos em processo de vida e entendendo a profundidade dos sentimentos que ostentamos superficialmente.
Ergui-me restaurada, pronta para o caminhar de cada dia, aceitando as ausências dos seres queridos e procurando receber com entusiasmo cada novo fato e fases diferentes, que se apresentassem em minha vida. Ergui-me, sem preconceito comigo mesma e enxergando através dos meus olhos a direção do meu próprio coração. Ergui-me pronta a enfrentar o mundo, os acontecimentos ainda que chocantes, entender as alegrias profundas e ter a humildade de percebê-las em toda a sua grandiosidade.
Era como se tivesse renascido naquele instante, para tomar as decisões que minha vida solicitava. Tinha renascido e estava pronta para viver da maneira mais coerente, todavia também mais prazerosa e legítima. Tinha renascido com esperança e sem sofrimentos, aceitando cada minuto que se apresentasse daquele momento em diante. Tinha renascido na madrugada convidativa e amena, que me recebeu silenciosa e conselheira.
Vânia Moreira Diniz