Hoje recordando nitidamente a voz de minha mãe e toda uma vida desfilou frente aos meus olhos que extasiados observavam através da imaginação. Costumo fazer isso muitas vezes em momentos de alheamento, introspecção e privacidade. Mas dessa vez foi algo mais nítido como se tudo estivesse se passando naquele momento.
Revia-a jovem, os cabelos muito escuros e brilhantes, os olhos negros e grandes, a pele aveludada com a maciez de alguém que não abusa da maquilagem, a bela figura jovem que algumas vezes me esperava na porta de minha casa antes que eu descesse do ônibus escolar.
Não lembro exatamente de minha mãe cuidando dos pequenos detalhes de uma casa ou dos filhos no dia a dia. Tinha empregadas que por sinal naquela época ainda eram relativamente fáceis. Eu a amava, contudo não conseguia falar de mim mesma ou do que se passava comigo em nenhum momento. Sempre foi cerimoniosa e formal em demasia.
Lembro-me dela sentada na sala, elegante e perfumada, os lábios cujo batom dava à sua pele uma cor especial e bonita, e realçava a cútis muito clara. Em nenhum momento a vi ter um gesto mais descontraído como hoje estamos cansadas de abusar.
Revendo-a corri no tempo até minha infância no bairro de Copacabana no Rio de Janeiro numa rua de tanto movimento que os adultos se assustavam cada vez que chegávamos até o portão da casa. Mas foi ali na Rua Barata Ribeiro com os carros alucinadamente correndo, muita gente passando apressada, as crianças impedidas de brincar em suas bicicletas ou patinetes, as casas ainda sem tantas grades e as lojas num movimento crescente de clientes que eu vivi minha infância e adolescência.
Era ali que eu construía meus castelos de sonhos de papel que a vida nem sempre transformaria em algo sólido como pedra e muitas vezes rasgaria sem piedade. Era ali que eu aprendia a reconhecer as pessoas, a vê-las em momentos variados de alegria esfuziante, entusiasmo crescente, placidez monótona ou tristeza arrebatadora.
Era ali que eu recebia minhas amigas mais queridas, que brincava ou observava, mas sempre com alguém a me recomendar prudência e que via o mundo com olhos encantados. Era ali que no interior daquela casa num imenso terreno eu fazia minhas evoluções nos patins cujo rodopio me dava a sensação vertiginosa de vida e efervescência e cujo fascínio me arrebatava.
E foi ali que eu cresci entre o movimento que aumentava cada vez mais e o progresso ainda maior que chegava antes de qualquer coisa para se instalar a um tempo magnífico e perigoso. Para mim aquele lugar era o paraíso que eu observava com olhos deslumbrados e ansiosos procurando sempre ver mais e mais profundamente.
Era ali, bem perto do mar que exercia sobre mim uma estranha magia e também conforto apesar de sua imensidão. Era na praia olhando as ondas que subiam que muitas vezes eu encontrava uma tranquilidade estranha e podia pensar, devanear ou me acalmar.
Sentindo nos pés a água muita gelada eu entendia que a força daquele infinito era o rei do universo. E o respeitava, mas também o idolatrava.
E o sol que esparzia seus raios sem nenhuma cerimônia e cujo calor me trazia uma sensação agradável quase sensual na tepidez com que se encostava a minha pele, me dava uma energia incomparável.
Foram essas recordações que a lembrança do som da voz de minha mãe me transportou de uma maneira completamente arrebatadora fazendo com que eu me sentisse outra vez aquela garota cujo movimento e beleza desse bairro carioca em que fui criada me dominasse a ponto de me ver sentada tão perto do mar que quase sentia minha pele molhada e áspera pela areia grudada em todo meu corpo.
Vânia Moreira Diniz