
Acomodada no sofá, a penumbra da tarde envolvendo-me em um abraço suave, permiti que a mente vagasse pelos corredores labirínticos da memória. O olhar, perdido nas sinuosidades do tempo, fixou-se em uma cena distante, uma viagem da infância que teimava em ressurgir. A imagem, nebulosa e fragmentada, revelava um jardim mágico, um oásis de flores vibrantes que se estendia até onde a vista alcançava. Era um mundo à parte, onde a leveza e a despreocupação reinavam, um contraponto à realidade por vezes árida da minha terra natal.
Naquele tempo, a família numerosa era um mosaico de vozes e risos, uma sinfonia de presenças que exigia a atenção constante dos meus pais. Meu pai, em especial, desenvolvera um ritual peculiar: a contagem meticulosa, a garantia de que nenhum de nós se perdesse na multidão. A imagem dos meus irmãos, um turbilhão de energia e curiosidade, gravou-se na minha memória, assim como a voz grave do meu pai, sempre atenta e preocupada.
Em meio àquele cenário idílico, um evento inesperado mergulhou-me em um mar de pânico. Uma mão desconhecida ergueu-me do chão, separando-me da segurança do meu grupo familiar. A voz, antes vibrante e cheia de vida, transformou-se em um grito de angústia, um chamado desesperado pelo meu pai. O medo, frio e cortante, invadiu meu ser, obscurecendo a beleza do jardim.
A figura gentil que me acalmava, embora bem-intencionada, não conseguia dissipar o terror que me consumia. Apenas a visão do meu pai, a figura familiar e protetora, trouxe alívio e segurança. Ao retornar aos seus braços, senti como se renascesse, como se voltasse a respirar após um mergulho profundo no oceano do medo.
O eco daquela experiência ressoa em meus sonhos, um lembrete constante da fragilidade da infância. A sensação de pânico que me assalta em alamedas desertas, a impressão de estar perdida em uma floresta inexplorada, revelam a cicatriz invisível daquele medo ancestral.
A importância dos primeiros anos de vida, a influência dos traumas infantis em nosso desenvolvimento futuro, tornam-se evidentes.
Vânia Moreira Diniz
Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar