Sentindo a tarde que cai lentamente inconscientemente começo a divagar. E me reporto com saudade imensa a uma época da minha vida que usufrui dias de prazer inominável. Claro, já tinha provado o sabor de algumas perdas e observado sofrimentos em pessoas muito próximas, o que significa dizer que já passara algumas dores. Mas quando somos crianças parece que tudo se refaz com mais integridade.
Tinha doze anos e estudando num colégio católico comecei a observar o movimento maravilhoso que as religiosas faziam ajudando as crianças do morro Dona Marta. Sempre senti muita vontade de conhecer pequenos, ou melhor, dizendo adolescentes como eu que não tivesse o mesmo conforto e a vida tranqüila que eu podia desfrutar.
Foi assim que embora com enorme desespero de minha mãe que parecia ter medo dessa minha nova atividade comecei a dar aulas para crianças menores naquele morro do qual conservo uma terna lembrança. Era tudo tão diferente do meu mundo que me quedava encantada com todas as grandes novidades que observava. Por vezes me parecia que não eram eles que aprendiam novidades, mas eu que conhecia o encanto da espontaneidade naquela vida que achava natural e absorvente.
Quando me viam chegar com as professoras uma vez por semana, corriam felizes ao meu encontro. Olhavam-me com admiração e meiguice e me levavam ao lugar escolhido para nossa aula. Essa diversidade de vida, modo de ser, falar, encarar as situações, e se expressar nos unia de uma forma fascinante. Muitas vezes sentados em roda ouvia com extremo encanto as histórias pitorescas que cada um tinha para relatar e considerava o universo em que eu vivia extremamente sem atrativos.
É verdade que percebia neles a mesma espécie de pensamento quando também começava a falar sobre algum fato qualquer. Para mim que vivia num ambiente de facilidade e conforto além de ser uma lição de vida era também um paraíso de contradições maravilhosas. Aquele lugar foi, sem dúvida um ensinamento vivo muito embora em tempo limitado. Aprendia o significado da palavra viver. Da singeleza, da espontaneidade, do trabalho, do esforço intenso. E hoje quando observo tanta coisa diferente em relação à vida na minha terra a reminiscência daqueles dias me levam a momentos de ternura intensa.
Muitas vezes minha mãe me perguntava entre séria e irônica o que eu podia encontrar de especial nesse lugar.(Ela só me deixava ir porque achava que estava bem protegida). Talvez eu não tenha encontrado as palavras certas na ocasião para descrever o encanto. Mas hoje posso assegurar que a expressão perfeita seria aprendizado atraente. E também felicidade. O que eu recebia ali naquela época transcendia tudo que eu tinha vivido até então. Era um efeito diferente e “mágico”. E creio que era assim que eles também sentiam em relação a mim. Mundos, mentalidade, vidas contrastantes que por poucas horas encontravam uns nos outros a verdadeira essência da criatura com suas verdadeiras potencialidades e fraquezas: Sem diferenças.
Esse foi um capítulo à parte da minha adolescência que me leva a procurar cada vez mais querer entender a essência das coisas mais complexas em todas as suas minúcias. Nunca esquecerei esses momentos em que meu rosto se unia àqueles magníficos adolescentes que me ensinaram muita do caminho que deveria percorrer sem a sofisticação a que eu estava acostumada o que deixou na minha memória um traço de profunda e encantadora suavidade.
Vânia Moreira Diniz