PARTE I
Quando era criança, um dos lugares que me abrigava com perfeição era a biblioteca do meu pai. Lá não só ficava resguardada num momento de introspecção quando queria fugir de alguma punição quase inadiável, como era um lugar de delícias nos livros em que minha imaginação duplicava em seu colorido.
Não esqueço jamais o que significou para mim que me deixassem em paz quando eu queria voar nas asas da descoberta sensacional de Monteiro Lobato: O pó de pirlimpimpim. Fui a lugares inimagináveis, transida de entusiasmo e suspense e pude compreender a beleza do mundo em suas nuances variadas vibrando com o espírito de aventuras que nos faz gozar sensações difíceis de explicar.
Foi lá que fui apresentada ao fabuloso Machado de Assis. Um dia sozinha entre aqueles autores que me faziam refletir que direção tomar, deparei-me com uma coleção grande de livros azuis, escolhi um que me pareceu atraente, li o título “HELENA” e comecei a penetrar em suas páginas. Estava tão distraída que não vi meu pai entrar, querendo saber o que eu estava fazendo ali tão sozinha. Mostrei-lhe então o que estava lendo e ele me disse que se tratava de um dos maiores escritores brasileiros. Perguntou-me se queria saber um pouco de sua vida. Balancei a cabeça afirmativamente já antegozando o que poderia vir.
Hoje, depois de tantos anos tenho pelo escritor a mesma perene admiração que dediquei no momento em que ouvia trechos de sua vida.
Nascera no morro, filho de uma lavadeira, epilético e sofrendo principalmente naquela época preconceito por ser mulato, tinha uma imaginação fértil que acabou conduzindo-o às letras. Escrevia com enorme facilidade, mas a verdade é que tudo o que sofreu está marcado no seu estilo fabuloso de uma ironia fina e por vezes contundente, o que se tornou a marca mais evidente de toda a sua obra.
No início de sua vida nada indicava que poderia vir a ser esse extraordinário escritor, famoso, respeitado e reverenciado a despeito da pobreza, da doença e de sua origem descendente de escravos. Simplesmente Machado de Assis foi uma espécie de gênio da época.
Emergiu naquele meio, onde havia carência de formação intelectual e até seu tipo físico, franzino, frágil e mestiço era um obstáculo a qualquer supremacia intelectual ou social numa época em que liderava a sociedade escravocrata e preconceituosa.
Muito de genialidade, sim, na construção de sua imensa obra imortal porque atingiu o ápice nas letras entre os escritores brasileiros. E foi sem dúvida com sua persistência e aprendizado de técnicas na arte de escrever, mistérios que guardava e soube explorar magnificamente, que conseguiu passar do menino pobre vivendo num meio sem nenhuma cultura ao homem extraordinariamente dotado.
Realmente o fundador da Academia Brasileira de Letras discorria sobre qualquer assunto e os textos que envolviam o dia-a-dia tornaram-se objeto de suas maravilhosas crônicas.
Naquele dia eu quando tinha apenas 11 anos de idade e apaixonei-me pelo talento de Machado de Assis não sabia que ele me surpreenderia a cada pesquisa que eu fizesse envolvendo seu nome e seu fantástico talento, construídos na pertinácia e no estudo apurado, abrindo mão de uma vida social e dedicando-se exclusivamente ao conteúdo de suas observações, seguindo os grandes mestres e sendo considerado por muitos o” maior escritor das Américas e o maior prosador da língua portuguesa”
Parte II
À medida que o tempo passava e eu ia entrando na adolescência a figura de Machado de Assis se tornava mais e mais admirável. E eu ficava impressionada com a sua própria biografia que tinha uma influência profunda no que escrevia. A ironia fina, inteligente e profundamente crítica crescia à medida que ele conseguia o aprimoramento de seu espírito e de conhecimentos antes muitíssimo limitados.
No humorismo fino e sardônico de que seus textos estão impregnados conseguia rir interiormente do próprio sofrimento, de uma infância recalcada e sofrida e dos próprios ressentimentos encobertos por uma compostura social que ele sabia manter e equilibrar. A fonte principal para ele , eram os humoristas ingleses principalmente em se tratando de técnica e retórica. Claro está, que também sua próprias tendências aí estão fixadas dentro de um aperfeiçoamento adequado. Mas principalmente obtinha a satisfação de cada momento de desconhecimento, que conseguira superar. Essa era sua meta precisa que com tenacidade soube atingir..
Machado de Assis estudou pela vida afora de uma maneira compulsiva . Talvez não acadêmica, porque pelo que tudo indica não teve uma formação de escola. Mas superou e muito, o que qualquer escola ou faculdade poderia lhe dar em termos de concentração intelectual apurada. E a influência de escritores, filósofos e escolas literárias foi primordial na sua ascensão cultural em todos os sentidos. Foi mestre em saber adequar o que de melhor havia em cada movimento e estratégia literária com seu próprio eu. E para sua obra também contribui as meditações, estudo da filosofia e autores que tivessem em ritmo espiritual com ele próprio.
Machado de Assis era, sobretudo um artista primoroso que desenvolveu suas potencialidades com intensidade e para isso se esmerou tirando a essência de si próprio, mas estudando detalhadamente técnicas e autores e pondo a serviço da funcionalidade que exibia com esmero.
Obra de Machado de Assis – Machado de Assis era um contador de histórias exímio, e fatos do dia-a-dia eram a marca acentuada de seus livros. Ele revestia seus personagens de uma roupagem que dava um aspecto nobre às figuras que descrevia. E isso porque além da observação e estudo usava uma técnica adequada que manipulava com extrema competência.
Realmente não sou uma crítica e muito menos desse autor maravilhoso considerado o maior escritor brasileiro, mas gosto de observar essa perícia na obra de alguém que ultrapassou todas as limitações impostas pelo nascimento humilde e saúde debilitada principalmente pela epilepsia que naquela época não tinha um tratamento controlador.
Era um narrador perfeito, usando vários processos especiais que variou bastante em seus livros. Assumindo a primeira pessoa escreveu em Romances “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Dom Casmurro” e “Memorial de Aires”.
Em Quincas Borba usa a terceira pessoa em que se põe como apenas narrador que domina os acontecimentos.
Em “A mão e a Luva” apresenta os personagens que iniciam o romance conversando. E em “Iaiá Garcia” a narração não é interrompida para reflexões, o que ele fez em alguns de seus livros. Em “Dom Casmurro”, chega a pedir desculpas pela interrupção que faz em prol de suas digressões.
Conclusão- Machado de Assis realmente se porta como um gênio da literatura. Saindo de um ambiente onde carece de cultura pelas condições humildes do próprio nascimento desconhecendo totalmente a vida cultural no início de sua vida, torna-se com o esforço e aprendizado consciente, dedicação, desenvolvimento de potencialidades agudas e profundas, observação pertinaz, convívio com pessoas e mestres, muito estudo criterioso e constante e uma índole de auto perfeccionismo, o escritor brasileiro mais festejado pela característica de usar técnicas e escolas adequadas.
Um gênio literalmente, que conseguiu disfarçar seu pessimismo profundo pela vida, numa ironia fina, inteligente e influências de humor como adquiridas pela leitura de Cervantes Swift, Stern ou Dikens.
Machado de Assis colocou em suas narrativas um sentimento trágico da vida, ao mesmo tempo em que fez desfilar ante nossos olhos uma variedade de personagens antagônicos ou semelhantes mas sempre estimulados pela sua perícia inominável.
Não poderia deixar de relembrar seu extraordinário amor a Carolina, com que viveu mais de 30 anos juntos e o soneto que fez aos pés de sua sepultura, pleno de carinho, paixão e tristeza.
Claro que desde que ainda garota, li “Helena”, e apaixonei-me instantaneamente por Machado de Assis, Jamais pude deixar de me fazer acompanhar pelos seus livros fascinantes.
OBRAS DO AUTOR
POESIA
Crisálidas (1864); Falenas (1870); Americanas (1875); Poesias completas (incluindo Ocidentais) (1901).
ROMANCE
Ressurreição (1872); A mão e a luva (1874); Helena (1876); Iaiá Garcia (1878); Memórias póstumas de Brás Cubas (1881); Quincas Borba (1891); Dom Casmurro (1899); Esaú e Jacó (1904); Memorial de Aires (1908).
CONTO
Contos fluminenses (1870); Histórias da meia-noite (1873); Papéis avulsos (1882); Histórias sem data (1884); Várias histórias (1896); Páginas recolhidas (1899); Relíquias de casa velha (1906).
TEATRO
Queda que as mulheres têm para os tolos (1861); Desencantos (1861); Hoje avental, amanhã luva(1861); O caminho da porta (1862); O protocolo.(1862); Quase ministro (1863); Os deuses de casaca (1865); Tu, só tu, puro amor (1881); Teatro coligido (incluindo Não consultes médico e Lição de botânica) (1910).
ALGUMAS OBRAS PÓSTUMAS
Crítica (1910); Outras relíquias (contos) (1921); A semana (crônica)(1914, 1937) 3 vol.; Páginas escolhidas (contos) (l92l); Novas relíquias (contos) (1932); Crônicas (1937); Contos fluminenses – 2º vol. (1937); Crítica literária (1937); Crítica teatral (1937); Histórias românticas (1937); Páginas esquecidas (1939); Casa velha (1944); Diálogos e reflexões de um relojoeiro (1956); Crônicas de Lélio (1958).
Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar