Desde 01 de Março de 2022

Impulso Repentino

Vânia Moreira Diniz

Encontrei-me com Mariana num dia de sol carioca há vários meses atrás. Há muito tempo não a via e admirei-me de como se conservara bela e divertida. Quando me sorriu com verdadeira alegria eu fiquei tão feliz de vê-la que quase não acreditei que fosse ela. Abraçamo-nos felizes por esses entusiasmos particulares que acontecem em nossa vida e que compensam soberanamente qualquer tristeza anterior. Pensei como era bom ver alguém que amamos e de quem fomos afastadas pela própria vida frenética e contrastante.

           Sentamo-nos ali mesmo na Avenida Atlântica e recordamos os dias antigos. Ela me parecia feliz e expôs um pouco a rotina de sua vida. Trocamos confidências como antigamente ao calor de nossa terra tendo como testemunha o mar que estava verde e lindo.

           Ela então confessou a alegria que significava aquele encontro inesperado. E me falou com entusiasmo da vida como era seu costume

          – Você não mudou, Mariana. Continua fã da vida com seus pequenos detalhes. Acho que sempre concordamos também nisso. As tristezas marcam porque são mais dolorosas, mas na verdade é das horas boas que tiramos forças para viver. As alegrias nos tornam cativas exageradas do exercício maravilhoso de viver.

         – Não entendo nem um pouco como as pessoas olham indiferentes essa natureza, um bom papo, o momento desse nosso encontro imprevisto, o desabrochar de uma criança ou expressões de amizade que só me deixam comovida. Podem aproveitá-lo e não o fazem. Eu não compreendo esse tipo de pessoas.

          Olhava para minha amiga achando-a estranha como se não sentisse o que falava. Como se estivesse dizendo tudo automaticamente. Mas depois achei que fosse minha imaginação.    

       -É feliz, Vânia? Quero dizer, está realizando e se satisfazendo com sua vida.?

       -É muito difícil responder à sua pergunta. Há momentos que me julgo a pessoa mais feliz desse mundo e em outros… E você? Alguém é completamente feliz ou infeliz?

       -Sabe o que quero dizer. Falo do contexto.

       – Sim, sou. Respondendo objetivamente, sou feliz. E você?

       -Claro que sim. E muito. Acho que não nasci para curtir sofrimentos. Ultrapasso-os.

        Novamente aquela impressão de querer demonstrar uma felicidade que não sentia me entristeceu, mas igualmente procurei deportar essa sensação para longe.  

         Lembrei-me então de uma passagem de nossa adolescência quando a vi discutindo com seu irmão um garoto contundente que respondia com grosseria toda vez que se sentia oprimido. Eu estava presente e presenciei o modo conciliador com que tratava o garoto e depois quando ele foi embora procurou justificá-lo:

        – Ele é legal. Mas está numa fase difícil.

Nada disse, mas lembrei-me que a diferença de idade dele para a nossa era só de dois anos e, no entanto, querendo preservá-lo falara como se ele fosse um garotinho e precisasse defendê-lo.

         Mas esse era seu principal encanto. Era dela, uma peculiaridade que se encaixava perfeitamente em sua figura encantadora. Ninguém ficava surpreso com tal atitude. Já fazia parte inerente de sua personalidade e quem a conhecesse saberia isso.

          Talvez porque a conhecesse continuei a notar diferenças como uma certa tristeza em seus olhos negros e perguntei-lhe se alguma coisa havia mudado em sua vida. Olhou-me com carinho como nos velhos tempos e respondeu de forma enigmática.

          – Tudo se modifica, amiga. Mas qual é o segredo? Você sabe! Li um texto que você escreveu sobre isso.

          – Sim, eu entendo. Então aconteceu?

          – Esse é o nosso primeiro encontro depois de muitos anos. Podemos hoje só apreciar o que vemos à nossa frente, conversar e desfrutar esses momentos de calma?

          -Sim, vamos fazer isso. Há tempo para tudo.

           Não sei que tipo de expressão percebi nela. Hoje sei que foi de esforço para não desabafar numa hora imprópria o que lhe ia à alma. Era delicada até nisso.

                                                                 CONCLUSÃO

            Marcamos um encontro para dali a três dias no “Cirandinha” uma lanchonete sofisticada de nossos tempos de adolescentes que se conserva até hoje na Avenida Copacabana apenas aumentada e transformada em restaurante.

            Eu teria que voltar para Brasília, mas queria antes disso ainda ficar umas horas com minha amiga. Almoçamos relembrando os tempos que despreocupadas ocupávamos aquelas mesas que o garçom juntava para que nelas um alegre grupo de garotos e garotas a circundasse. E relembrando parece que ainda via os nossos rostos infantis.

            Quase ao fim da refeição, Mariana observando-me com atenção me falou:

            -Você não mudou nada. Mas será que existe algo por dentro que modificou?

            -Claro que sim. Os valores mudam a cada dia e talvez o meu modo de entender a vida.

            – Mas continua com a mesma sensibilidade porque tenho acompanhado o que escreve. E você começou sua vida adulta muito cedo. Lembra-se?

            – Como poderia esquecer?  Lutei pelos meus ideais. Pelo meu modo de pensar. Meu pai sempre me ensinou a defender o que achava justo. E isso eu lhe disse. Que aprendera com ele mesmo a não enfraquecer diante de nada. Mas e você? Quero saber o que está acontecendo nessa cabecinha.

            -Eu me sinto muito só. Vou ser franca com você. Desde o acidente, parece que não admito conviver continuamente com ninguém.

            – O acidente? Que acidente?

            -Imaginei que não sabia. Pensei muitas vezes em você naquela época. Não admitia a possibilidade de ter sabido e não me procurar.

             Surpresa e triste pelo que ouvira indagava com ansiedade

            -Que aconteceu com você, Mariana?

            – Lembra-se do Ricardo, não?

            -Claro que sim. Mas não daria certo. Era demasiado ciumento e… Não, jamais poderia ser alguém especial para você. Mas por que pergunta?

            -É incrível, Vânia como a vida separa as pessoas.

            – Sim pode separar, mas a amizade continua a mesma. Diga-me o que aconteceu?

            – Sofremos ele e eu um acidente de carro. Estávamos brigando e eu dirigindo. Não sei como aconteceu. Naquele dia quando havia rompido com ele, não deveria ter aceitado levá-lo em casa. Em conclusão minha amiga bati o carro. Ambos ficamos feridos, mas o lado direito do carro sofreu mais danos. Fiquei muito mal, mas ele morreu.

             Assustada, segurei a mão de minha amiga com carinho apertando-a num instintivo movimento e ela detalhou como tudo se passara.

             -Há quanto tempo se deu isso?          

             -Oito anos.

             – Há oito anos não nos vemos? Como pude ignorar tudo isso durante tanto tempo?

             -Sim, desejei muito procurá-la, mas esse tempo todo tenho vivido num marasma. Houve até um processo contra mim, mas foi arquivado. Não sou por dentro o que você pensa. Faço apenas o que é necessário. Não tenho vontade de nada. Morei alguns anos fora do Rio.

             -E vai continuar assim? Com a sombra do passado lhe perseguindo? Por algo que não teve culpa? Se ele estava alcoolizado e segurou seu braço, se vocês lutaram dentro do carro como pode culpar-se o tempo todo?

             Olhamo-nos de modo profundo e se passou um largo tempo antes que ela inesperadamente mudasse a expressão sofrida do rosto

             – Não, não vou. Há muito que esperava uma inspiração, mas agora falando de nossa vida antiga vi quanto tempo perdi. Lamento, sempre lamentarei a morte de Ricardo. Mas percebi num impulso estranho que não posso passar o resto de minha vida como estava. Muitas vezes raciocinava assim, porém não tinha coragem de trazer para a consciência o que estava submerso. Mas agora fizemos uma terapia mútua, não? Será que também não quer mudar nada em sua vida?

             Também impulsivamente levantei-me, rodeando a mesa e abraçando-a enquanto falava:

             – Quero, quero sim. Jamais passarei mais de um ano sem ver as pessoas que amo mesmo que estejam longe. Procurarei saber tudo sobre eles. E quero viver mais intensamente todos os momentos. Felizes, alegres, tristes, todos. Quero viver!

             Enquanto falávamos percebi que os olhos de Mariana estavam nublados de lágrimas, mas que brilhavam mais intensamente, com uma luz peculiar. E também por isso me senti feliz! Sabia que não ia ser fácil para ela sobrepujar tantas recordações, mas acabaria conseguindo. O importante era o primeiro e vigoroso impulso. E ela tinha conseguido!

Vânia Moreira Diniz

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