Desde 01 de Março de 2022

Hoje acordei recordando

Hoje acordei recordando por Vânia Moreira Diniz

Hoje acordei propensa às reminiscências. Sentindo vontade de percorrer o quintal da minha casa na Rua Barata Ribeiro em Copacabana, Río de janeiro, onde na infância eu apostava corridas, tentando um campeonato de patins com minhas amigas e caindo da gangorra enquanto meu irmão pulava antes do tempo.

A bola não parava levando-se em conta que nessa época minhas irmãs não haviam nascido, os da minha idade eram apenas homens e eu gostava de disputá-la com eles, deixando muitas vezes que ela caísse na vizinha que não estava disposta a participar das brincadeiras e imediatamente fazia queixas à minha mãe.

Quando estava cansada de brincar com meus irmãos ou primos corria para dentro de casa e sentada no escritório de meu pai, procurava livros naquela biblioteca imensa e acabava descobrindo um mundo que sempre adorei, imergindo nas páginas que me deixava concentrada, esquecendo por vezes os deveres da escola. Ler era meu mundo encantado e esquecia tudo que me cercava para fazer parte do conteúdo dos livros que eu curtia compulsivamente.

Escrevia com prazer imenso em qualquer momento da minha vida. E deixava que as palavras saíssem sem censuras espargindo meu coração que precisava transmitir com veemência. Parecia que eu só tomava consciência do que escrevera algum tempo depois de concluir o texto e aí sim, entendia o que quisera dizer.

Quando estava entediada ou queria ficar sozinha ia até à praia que era pertinho da minha casa e deixava que meus pés ou meu corpo fossem molhados pelas ondas brancas e nem sempre mansas. Falava com o mar, contava meus desejos e sonhava inexplicavelmente com o infinito que se me apresentava inatingível, como as faixas coloridas do horizonte e sabendo da impossibilidade de alcançá-las deixava que o sol queimasse devagarzinho minha pele clara.

Muitas vezes alguém da minha casa vinha me buscar sabedoras desse passeio quase constante nos dias de sol intenso. O mar, a areia clara, e o horizonte distante sempre foram as mais encantadoras formas de poder transmitir minhas emoções. E continua a ser, só que me parece que esse mesmo horizonte está mais perto e sinto-o como algo que se aproximou em dias subsequentes em que aprendi a conhecer a vida e a forma de procurar sobrepujar os obstáculos. Será isso que nos faz mais compreensivos em relação à passagem do tempo?

Ao completar dez anos soube que minha mãe esperava outra criança e tive certeza de que seria uma menina. Estava cansada de compartilhar as brincadeiras de cinco irmãos sempre em discussão constante e sentia necessidade de olhar e amar uma irmãzinha e foi o que aconteceu. Nasceu uma mulher e fiquei entusiasmada com o rosto delicado e bonito amei-a instantaneamente, compreendi mesmo ainda muito cedo a necessidade de defendê-la levando em conta que era mais frágil do que eu. Em seguida nasceu outra menina que também foi algo muito importante para mim, mas Cristina e eu estávamos sempre juntas e apesar da diferença de idade nos compreendíamos muito. Até hoje estamos profundamente ligadas e somos confidentes inseparáveis.

Ainda revejo os tempos de criança há muitos anos quando olhava deitada num canto do jardim minhas estrelas brilhantes algumas das quais eu e meu irmão mais velho nomeávamos à noite nos dias de verão.

O colégio Sacré Coeur de Marie onde estudei, foi algo que marcou tanto que até hoje me revejo e jamais poderei deixar de lembrar cada dia que passei lá. E olhe que foi um longo período desde muito pequenina.

O tempo passou, tive uma adolescência conturbada, mas o que me incentivou profundamente foram as lições que aprendi nesse caminho e a certeza que a única forma de sermos realmente felizes é saber estender a mão sempre e entender que por vezes as coisas que nos perturbam nos fazem compreender a vida, ser feliz e desenvolver um amadurecimento sadio e compreensivo.

Vânia Moreira Diniz

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