Quem já não se perguntou se ela existe? E em momentos de dificuldades íntimas e sofrimentos, procurou entender o mistério da vida? Mas qual a pessoa que não passou por instantes de uma alegria tão grande que parecia não caber dentro do peito? Na verdade às vezes sonhamos com tão pouco e quando chegamos perto vemos desolados que isso em que tínhamos posto nossas maiores esperanças não é nada diante da sua verdadeira essência. Acredito que realização e felicidade podem andar muitas juntas, mas não são a mesma coisa como às vezes imaginamos.
Há muitos anos conheci uma garota maravilhosa. Era meiga e gentil, porém não se conformava com a situação de pobreza de sua família. Conheci-a porque sua mãe trabalhava como doméstica na casa de uns amigos de meus pais e interessei-me pela menina que deveria ter mais ou menos a minha idade. Era inteligente e perspicaz apesar de não estudar muito e um dia me falou de quanto a sua situação a humilhava.
Não a entendi por que para mim cada pessoa nascia com seu próprio destino e naturalmente poderia até lutar para ir em direção de seus sonhos. Assim eu descrevi meu pensamento a Lúcia e ela sorriu com desesperança:
-Você diz isso porque nasceu com conforto e porque tem tudo que quer.
-Não é assim. Nasci numa situação confortável sim. E você quer dizer que isso é sinônimo de felicidade?
-Eu seria feliz se tivesse tudo que você tem.
Não sei, mas imagino que a isso eu não daria esse nome. Isso se chama conforto material. Será que você está realmente certa? Se fosse assim só os pobres seriam infelizes.E eu não acredito nisso. Mesmo porque existem variadas formas de aflições ou felicidade.
Ela olhou-me sem, contudo, estender a discussão que estava ficando meio árida para duas adolescentes. Mas vi uma profunda amargura em seu rosto bonito, porém sempre marcado por uma tristeza. Ela realmente se esforçou e estudou muito, porém casou-se com alguém que ela conheceu e cuja riqueza de fato impressionou-a . Qualquer um poderia sentir que ela não amava aquele homem. Mas a moça se conscientizou disso. E ninguém conseguiu demovê-la dessa idéia.
Nós nos perdemos de vista até que um dia casualmente nos encontramos. Não havia apenas tristeza em seu rosto, mas devastação. Parecia que um véu de amargura tinha encoberto seus traços extremamente bonitos e seu olhar não tinha mais o brilho que eu conhecera.
Abraçou-me encantada por encontrar-me e seu desabafo foi quase instantâneo:
-Você tinha razão, Vânia. Felicidade nada tem haver com dinheiro embora ele ajude bastante em certas coisas. Mas não deixa a alma da gente em festa, entende? Não traz a felicidade.E como eu poderia saber? E como poderia julgar que você estava certa se jamais havia vivido o outro lado?
Olhei-a sem saber o que dizer e segurei suas mãos colocando-as entre as minhas e tentando infundir-lhe um pouco de aconchego.
-Sônia eu também não tinha certeza de nada. Mas imaginava. Sabe por que? Felicidade para mim é alguma coisa subjetiva e interior. Algo que não depende de um momento como a alegria. Você não acha? Ficamos alegres com muita coisa que a vida proporciona, mas felicidade é alguma coisa compacta e que talvez nós ainda não saibamos distinguir.
-Entendo o que você quer dizer. A alegria depende de um momento? E a felicidade perdura até nas tristezas?
-Não sei, Sônia. Não sou nenhuma especialista no assunto. Mas sempre raciocinei que há certos fatores que são indispensáveis à felicidade: Paz, a satisfação de realizar o que gosta e satisfaz e a dose de amor que temos dentro de nós.
-Dose de amor? Você diz que amor?
-Amor universal é a essência. E depois saberemos dividi-lo adequadamente.
-Algumas vezes também pensei nisso, Vânia. Quando eu estava sofrendo, nesses anos difíceis que atravessei. Sentia mesmo que não era feliz porque não me acostumara a viver essa felicidade. A senti-la e buscá-la nas pequenas coisas.
Sorri para Sônia com carinho, mas também literalmente porque compreendia que estávamos filosofando ali no meio de uma rua movimentada cuja agitação não era muito propícia a essas elucubrações. Mas sentia-me feliz porque pelo menos muito ao longe já podíamos compreender um pouco que felicidade era tudo que tínhamos: Poder olhar o universo maravilhoso, andar, falar e ter todos os sentidos perfeitos e alertas procurar a paz e amar verdadeiramente. E cada dia mais. Felicidade era amor. E capacidade de amar nunca poderíamos perder. A não ser que quiséssemos.
Vânia Moreira Diniz