Não tenho vergonha de dizer que nasci em berço de ouro. Tudo que a vida podia me proporcionar em termos de bens materiais ela o fez. Ali, ao nascer. Meu pai era um homem de muito prestígio, advogado famoso e respeitado. E todos os meus desejos eram prontamente atendidos. Olhava tudo isso com naturalidade já que nascera ali e não conhecia outro ambiente. Logo comecei a perceber o quanto a vida era injusta.
Ao mesmo tempo, muito cedo tive uma visão completamente límpida que tudo isso serviria para conforto e tranquilidade, mas jamais constituiria o caminho certo da verdadeira felicidade. Pelo menos da minha felicidade. Ainda muita criança perguntava aos meus pais por que havia tanta diferença entre os pequenos que eu via pedindo esmola na rua e eu ou minhas amiguinhas. Eles explicavam ao modo que os adultos procuram convencer as crianças. E a vida continuava. Eu sempre com minhas dúvidas. Minha vida foi oposta à maioria das pessoas. Casei-me muito cedo, contra vontade de meus pais para escolher e traçar meu próprio destino. O conforto excessivo foi trocado pela luta de cada dia. E pude verificar o quanto a vida pode ser difícil. Difícil, porém gratificante quando se procura objetivos.
Havia uma obra social que as docentes do meu colégio faziam entre os menos necessitados. E cedo pedi para que me deixasse acompanhá-las ao morro nos dias feriados, para visitar as pessoas que lá moravam. Eu tinha dez anos e durante algum tempo minha mãe proibiu absolutamente mesmo com as professoras, esse passeio que aos meus olhos seria fascinante. Finalmente aos 12 anos meus pais foram convencidos que teria sempre alguém perto de mim e a contragosto deles subi ao Morro Dona Marta e encontrei um mundo maravilhoso e inusitado. Pobre, triste, devastador pela escassez de conforto, mas encantador pela luta e força dos que lá viviam. Claro que sabemos o que existe de violência, mas será somente lá? E não terá começado pela desesperança e carência das coisas mais elementares? Como um gesto de carinho? Não estou justificando, mas não sei o que seria de cada um de nós se tivéssemos enfrentado tanta tristeza, miséria e dor!
A simplicidade e pobreza daquelas crianças me emocionaram e encontramos atrações diversas no modo de viver. Partilhamos experiências em nossas conversas e aprendi muito das suas vivências que me empolgavam. É como se ali, duas vezes por semana, me sentisse completamente livre de qualquer entrave, o que em Copacabana, na movimentada Rua Barata Ribeiro eu não conseguia. Foi uma lição de vida, trocas de sentimentos e sofrimentos antagônicos partilhados mutuamente. Dei aulas aos pequenos que não eram alfabetizados ou que tiveram que sair do colégio para ajudar aos pais.
Começou aí meu grande ideal que junto à literatura, iria me acompanhar em todos os momentos e que minha mãe brincando comigo chamava de “socialista”. Ver um mundo melhor, menos diferenciado e mais humano constituiu meu pensamento de muitas horas adolescentes. Costumava cismar no enigma da riqueza e da fome.
Compreendi pouco depois que os sofrimentos são variados e universais e que outros tipos de dores substituem a falta da pobreza e de recursos. Que todos sofrem em menor ou maior grau e também que as alegrias são múltiplas e atingem a todas as camadas.
Observando, porém no decorrer de minha vida como a pobreza tem aumentado e a miséria vem predominando, vejo o quanto falamos e enunciamos palavras bonitas sem entender o que é a fome. Como podemos entendê-la se essa peste da humanidade é tão devastadora e amarga , deixando pessoas e crianças em lamentável situação de horror e debilidade?
Que se reproduz mais forte e mais potente enquanto restos de comida são jogados fora e o solo fertiliza maravilhosamente em nosso país? Como entenderemos se nunca passamos por tragédia tão pungente e aniquilante? Aí está um espaço em meu site em que falamos da fome, com o apoio de muitos poetas que aderiram ao movimento e muitas e muitas pessoas que me escreveram emocionados. A todos elas eu agradeço com grande carinho. O que lamento é que tudo isso foram apenas gritos no deserto, como com milhares de pessoas que tentam abordá-la ou tem a ilusão que seus lamentos surtirão algum efeito. Mas continuaremos, sem restrições, com persistência maior que antes, agarrando-nos a qualquer esperança mesmo suave que possa existir.
Sozinhos não vamos resolver o problema da fome e da miséria, mas podemos ajudar aquele que está ao nosso lado, e ele na medida que possa, ao que está perto dele. Assim sucessivamente. Não solucionaremos, mas amenizaremos, suavizaremos e tentaremos dar um pouco de alento. Vamos então a um asilo, creche ou a uma ou mais famílias que precisam nosso apoio moral, espiritual e material. Sem alardes! Silenciosa! Ternamente!
Se todos conseguirmos isso já é uma esperança, que brilhará como uma luz talvez fugidia, mas constante e esperamos que vigorosa.
Vânia Moreira Diniz