Aprendemos a ler ainda tão pequeninos que não imaginamos a potência dessa luz espetacular. Há poucos dias tive a ventura de conversar com um homem que depois dos sessenta anos aprendera a ler. Seus olhos castanhos brilhavam quando me cumprimentou
ao fim de uma aula que eu acabara de dar a várias pessoas adultas e até da terceira idade que se inscreveram num curso de alfabetização.
Sempre notara o entusiasmo e a ansiedade do Senhor Pedro e várias vezes esse fato me chamara a atenção. Mas naquele instante a minha impressão é que algumas lágrimas já tinham sido enxutas.
Aproximei-me e pedi que ele se sentasse a meu lado, perguntando-lhe se alguma coisa acontecera ou se precisava de algum auxílio.
-Estou feliz, Professora, me respondera ele, enquanto sua emoção continuava. Você não sabe que acabei de nascer?
Sorri imaginando que ele queria desabafar algo que estava acontecendo em sua vida e contemplei-o com carinho esperando que ele continuasse a falar
-Recebi uma carta de minha filha e pude ler. Pela primeira vez eu li. Eu estava cego. Durante sessenta anos em minha vida vivi na escuridão. Olhava para cartazes, jornais, notícias, cartas eu não via nada embora estivesse doido para entender aqueles sinais. Sentia-me como um cego sem cura.
Minha emoção também era forte. Imaginava dessa vez com uma força extraordinária o que ele quisera dizer e como seria desesperador não poder se comunicar, ler o que nos escreviam ou escrever uma palavra de afeto para alguém que amamos.
E ao fim de algum tempo ele continuou:
-Obrigada, professora. Fiz um sinal dizendo que não agradecesse e depois lhe falei que o mérito era da sua força de vontade.
Ele segurou meu rosto beijou-me e continuou dizendo:
-Tudo era escuro. Na minha cabeça não havia claridade, agora eu vejo tudo, com clareza e quero ver muito mais, quero conhecer, ler, aprender, saber de tudo que existe no mundo.
Silenciosamente com a voz embargada eu lhe prometi que traria uns livros e que as aulas continuariam ainda mais agora que eu sentira a força e a carência que alguém pode sofrer com a falta de conhecimento. E pensei que o saber era em proporção um alimento sem o qual o cérebro, atrofia, se fragiliza e morre levando com ele uma riqueza incomensurável que não pode ser apreciada e vivida. Principalmente a enorme ventura de comunicação entre as pessoas.
Aquele homem na sua humildade me dera uma lição de vida e me fizera agradecer a luz que me iluminava desde os quatro anos. Agradecia a Deus por isso e prometia levar esse reflexo para muitas pessoas que não tiveram essa oportunidade.
Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar