A vida já começa com a despedida e saímos daquele encantador e aquecido lugar que nos abrigou durante nove longos meses, o mais importante de sempre. Choramos nessa despedida audaciosa que praticamente nos arranca do lugar que nos deu vida. E aspiramos um ar que quase nos sufoca na hora que iniciamos a nossa viagem terrena. 0 nosso caminho é um desafio que de olhos ainda fechados, frágeis, impotentes e totalmente dependentes enfrentamos, sem sequer tomar consciência de nós mesmos. E encaramos então um caminho que certamente terão trechos difíceis de ultrapassar e momentos de uma beleza indescritível.
Naquele traiçoeiro, porém fascinante instante do nascimento, abandonamos sensações únicas no nosso desenvolvimento biológico e espiritual, reminiscências que talvez fiquem instaladas para sempre em nosso subconsciente e que nortearão muitos traços de nossa psiquê. Imagino a luminosidade incompreensível que antecede à nossa chegada e como em outras oportunidades relembraremos sem saber de onde e como, algumas imagens sepultadas em nosso interior.
Não pedimos para nascer e de repente choramos aturdidos com algo penoso que não sabemos explicar, tão forte o trauma impressionante do nascimento. Se conseguíssemos naquele instante ter capacidade para pensar, teríamos certamente os mesmos delírios insondáveis, quando muito mais tarde pensarmos na despedida da vida, ou seja, na morte.
O medo, entretanto, deverá tomar conta de todo ser tão indefeso que se sente completamente desprotegido ao ser desligado de tudo que constituiu seu mundo de conforto e proteção. É como se brutalmente fosse arrebatado de sua raiz e atormentado, expressa essa dor da única forma que consegue instintiva e naturalmente: Chorando e se debatendo.
A despedida Inicial talvez seja a mais forte e chocante de toda a nossa história biográfica. Daí por diante as despedidas serão sucessivas e traumáticas. Muitas vezes coloridas pela expectativa de um caminho melhor, sonhos a realizar, visões de idílicas e esperadas cenas que acontecerão longe e após uma viagem ou afastamento. Mas sempre uma despedida.
Se pudéssemos entrar a qualquer momento no nosso mais profundo inconsciente e explorar cada impressão deixada, veríamos as sequelas daquele momento decisivo e impressionante do nascimento. Nessa hora em que se vislumbra uma luz desconhecida e principalmente artificial e os sons desconhecidos e soturnos impregnam o recém-nascido de um medo apavorante. É o som do mundo e finalmente ele entra talvez com algumas dores no limiar difícil da existência.
O desconhecido é sempre tenebroso e assim como não queremos finalizar essa vida por mais que ela tenha sido dolorosa, o pequenino ser também sofre esse pavor ainda que inconsciente de ir embora de seu ninho, mundo aconchegante em que se formou desde a concepção: A primeira aflitiva e difícil despedida.
Vânia Moreira Diniz