A manhã estava bonita quando saí de casa muito cedo. No céu pintava algumas nuvens, mas tudo estava belo, convidava à alegria. Gosto desse momento quando vou ver meus protegidos em que meus pensamentos voam pelo caminho, enquanto o carro silenciosamente anda. Gosto muito de sentir a natureza e me comprazo com as cores diversas e a mudança gradativa de cada dia que passa.
Na verdade, estava preocupada com algumas coisas que tinha deixado ainda pendentes, mas já encaminhadas nesse pessoal tão querido por mim. Hoje ia visitar uma nova família e sempre ficava em expectativa do que veria. Todos me conheciam por aquelas imediações, mas sempre tinha uma família ainda desconhecida para conhecer mais intimamente.
A casa de Dona Marta não ficava na quadra que eu estava acostumada e de repente sem que eu esperasse percebi que um rapaz se aproximou de mim com veemência. Não parecia ter mais de 17 anos, mas seu rosto estava congestionado e seus olhos fitavam-me com uma expressão que me deixou apavorada. Ali àquela hora da manhã estava deserto e eu tinha saído do carro para procurar a casa. Quando avançou para mim reparei naturalmente que ele não tinha nenhuma arma e isso me acalmou um pouco, mas segurou meu braço com tamanha impetuosidade que pensei que fosse cair. A minha impressão é que devia estar drogado, mas não tinha certeza. Vi então que queria me apertar contra ele e afastei-o com a força que conseguia ter naquele momento pedindo a Deus que me ajudasse.
Completamente apavorada tentava me defender, mas ele tinha muito mais força que eu. Tentava gritar, mas nenhum som saía de minha garganta como se minha voz tivesse sumido completamente. Apenas tinha a sensação que mãos de ferro seguraram meus braços enquanto eu tentava me soltar e de repente ele contornou minhas costas com braços estupidamente grosseiros deixando-me imobilizada enquanto tentava aproximar seu rosto cada vez mais do meu. Eu estava em pânico afastando meu rosto e tentando impulsionar minhas pernas para trás para ver se conseguia escapulir daquela grade de horror. Isso me trazia pensamentos horríveis de cenas passadas na minha infância e me deixava em estado de choque. E de repente, não sei como nem de onde porque estava completamente tonta, mas alguém o segurou por trás e até agora não compreendi direito de onde surgira
Só ouvi o que a pessoa disse:
-Está maluco? Não conhece essa moça? Ela vem todos os sábados aqui. Ela nos ajuda, e disse um palavrão, mas logo em seguida desculpou-se e o outro estarrecido ficou imobilizado, mas ainda olhando para mim como se tivesse em transe.
Meu rosto estava inundado de lágrimas, talvez mais pela violência do que da dor que sentia em meu braço. E então percebi que conhecia o outro que chegara e que o pavor não me deixou discernir.
Ele era marido de uma senhora que eu já fora muitas vezes lá porque o filho era problemático. Ele então, segurando ainda o rapaz me perguntou.
– Não vai a nenhum lugar mais, não é verdade? Quer que vá com você até seu carro? Poderia ir até sua casa e de lá, do plano piloto, dou um jeito de voltar para casa. Minha mulher poderia me acompanhar.
– Não, obrigada! Não vou deixar de fazer o que vim fazer. O rapaz que tinha me agarrado, soltou-se então e saiu correndo e o Sr Jarbas me falou
-Minha casa é aqui, como deve lembrar. Minha mulher está lá. Quer tomar um copo de água? Isso podemos lhe oferecer. Vai fazer alguma denúncia do …
-Claro que não. Ele não chegou a fazer nada e não vim aqui para isso. Aceito a água. Quem é ele?
– Um vadio… Só isso. Poderia ter lhe machucado… Seu braço está bem?
– Sim, está… Só queria poder fazer alguma coisa. É filho de alguém que eu conheça?
-Acho que não.
-Mas ele não faz nada? Não estuda, não trabalha?
Antes de me responder pediu-me que o acompanhasse e entrássemos em sua casa.
Quando vi sua mulher, percebi que estava muito mal. E na escuridão da casinha, tão simples e humilde, senti-me confortada pelo calor do casal e quando o marido contou o que acontecera, Dona Judith chegou até perto de mim e tocou com suavidade em meus cabelos dizendo:
– Já passou. É tão querida aqui e não podia ser de outra forma, mas acho que um de nós devia esperar e acompanhar você. É perigoso essa hora da manhã uma mulher bonita como você, andar por esses caminhos. Até nós temos medo!
Conversamos muito, e soube que o filho deles tinha sido preso, por estar portando drogas.
Mas fiquei tão mal depois de tudo aquilo e vendo o sofrimento daquele casal, que resolvi aceitar a oferta do Sr Jarbas para ele levasse as cestas nas casas que eu estava acostumada a ir e pedi que ele transmitisse às crianças que no próximo sábado estaria lá, inclusive para falarmos sobre a peça do nosso teatrinho. Meus olhos ardiam e eu precisava refletir sobre a violência que inunda o mundo. Ficava imaginando sobre aquele rapaz que quase me machucara o que devia sofrer e ter passado, para chegar a gestos como esses, e com pessoas que não lhe faziam mal. Estava muito triste por mim, por ele, por todos.
Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar
Respostas de 3
Olá, querida Vânia, me senti muito envolvida pelo seu texto. Primeiro senti alegria pela descrição da manhã… Depois fiquei aflita quando relatou o encontro com o rapaz. Por fim, senti alívio e alegria por tudo ter “terminado bem” … Gostei do texto.
Obrigada, querida amiga. Feliz por vê-la aqui no meu site e por seu valioso comentário.
Beijos e carinho
Comovente o seu texto. Trouxe uma realidade triste mas você soube conduzir!! Admiração!!