Não sei precisar exatamente quando a vi pela primeira vez. Mas seguramente aos cinco anos já a conhecia com grande intimidade. Era uma figura encantadora, morena de cabelos escuros e longos e olhos impressionantemente negros. O que a distinguia era a meiguice que parecia estar sempre presente na expressão do olhar. Elegi-a mesmo sem saber conscientemente a minha segunda mãe.
Era noiva de um psicólogo amigo de meu pai e ambos frequentavam minha casa com assiduidade. Gostava de ficar horas conversando com ela enquanto admirava as historinhas infantis que me trazia de presente. Como aprendera a ler muito cedo gostava de usufruir desse hábito agradável em muitas oportunidades. E ela me corrigia os erros que eu cometia pelo aprendizado recente. Ficávamos horas enquanto a jovem interpretava à luz infantil as lendas que enfeitiçavam a cabeça de qualquer criança.
Falava-me de assuntos que eu não costumava conversar com ninguém e aprendi ainda criança, a inclinação que certas pessoas tinham para a doação delas mesmas, para a generosidade e o esquecimento de suas próprias necessidades. Assim eu encarava minha amiga Norma, porque embora fosse uma pessoa normal com defeitos e qualidades era soberanamente compreensiva em relação ao seu semelhante.
Muito cedo se formara em Assistência Social e parece que escolhera a profissão que se encaixava com seu espírito superior e temperamento acolhedor e terno. Estava sempre se desdobrando para resolver e ajudar alguém com seu jeito bem-humorado e prestativo.
Na verdade, foi minha primeira professora e sua filosofia abarcante que praticava no dia a dia me ajudaram muito a conhecer a vida, seus percalços, alegrias e sentir prazer nas pequenas coisas que ela oferece. Em algumas ocasiões quando me via triste perguntava-me a razão e concluía com um sorriso deveras encantador:
– Não há motivo. Talvez seja isso. Precisamos sempre ter alguma coisa na cabeça senão começamos a colocar o que não devemos.
Mas sabia ser impressionantemente companheira e aliada nos momentos de tristeza ou quando sentia uma dor acercar-se. O mais comovedor em minha amiga Norma é que ela tinha uma percepção de tudo que se passava e um dia enquanto conversávamos ela falou:
– Devemos ser mais humanas conosco mesmo. Se você não está bem hoje lhe dê esse direito. Compreenda-se. Aceite-se. E procure com tranquilidade melhorar o espírito. Sem pressa. Nós temos direito às nossas horas de recolhimento.
Olhava-a encantada por aquele raciocínio tão lógico, mas que não tinha ainda me ocorrido. Sempre a admirei de uma forma completa porque era especial.
Nada para ela era difícil ou exagerado e tinha sempre uma palavra que me conduzia à reflexão. Sua vida foi plena e bela. Interior e exteriormente mostrava o quanto se sentia feliz e realizada.
Presenciei durante sua vida injustiças e sofrimentos de que fora vítima e apesar dos momentos iniciais de sentimento e dor levantava-se angustiada e já querendo cumprimentar a vida de uma maneira expressiva.
Eu a amei muito. Quando morreu, vítima de um câncer no cérebro achei que a sua memória jamais deixaria de estar comigo. Hoje sei que é a sua própria energia que me envolve em todos os momentos aquecendo-me de uma luz protetora e diáfana. Orientando-me, querendo fazer-me absorver tudo que conversamos e que ela praticou maravilhosamente. Energia que não se dilui nem se apaga. Energia cujo calor transmite vigor e alento indestrutível.
À querida Norma, minha primeira professora, amiga especial a minha homenagem e o meu carinho…
Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar