Olhando a tarde que cai lentamente imagino dias passados outrora na infância de minha vida, quando ainda não tinha experimentado nem a desilusão que desgasta, nem as emoções e sensações que enriquecem o espírito e acalmam o corpo.
Recordo-me dos brinquedos ao redor do parque, as cantigas de roda, o olhar experiente dos pais, o colégio com nossos gritos infantis em que encontrávamos a doçura de horas encantadas e a agrura de momentos incompreendidos.
Muitas vezes nessas horas de solidão em que a nostalgia se faz presente e enfrenta e briga e se impõe pelo simples fato de constituir o maior traço do ser humano em sua essência verdadeira, não conseguimos sobrepujar jamais a consciência de impotência que nos alucina nas horas de sofrimento e dor.
Senti nostalgia sempre nos momentos mais contraditórios. E continuo. E é nessas horas que a presença de Deus se impõe mesmo que não acreditemos em nada.
Como poderíamos negar um ente superior quando contemplamos a natureza, o horizonte sem fim, as árvores seguindo sua escalada de crescimento ininterrupto, as flores graciosas e lindas, o som de uma música que consegue trazer-nos percepções as mais desencontradas de ternura à escalada íngreme de lágrimas e sorrisos?
E quando vemos uma criança nascer? Um homem poderia realizar isso? Mesmo que seja o detentor do espermatozoide e do óvulo que concretizará esse espetacular ser biológico?
Essa criança perfeita que sofre ao chegar ao mundo no momento exato em que o oxigênio imprime a presença em seus pulmões poderia ser realizada sem o supremo toque de um ser que está acima de todos nós?
O prazer, suprema conquista do ser humano em cujos liames a vida gira e ronda e se realiza, chorando e gritando e gemendo em seu estertor o mais potente e o mais sonhado será um mero acaso de química envolvendo a complexidade de todos nós?
Nada disso nos traz a certeza baseada em fatos, mas nos alucina justamente pelo mágico incompreensível que cerca o festival de imaginação e loucura que constituiu toda a nossa vida e os acontecimentos que envolveram de forma deslumbrante pedaços importantes de nossa vida mesmo que ao redor dela tenha interceptado sofrimentos hostis.
Amamos a vida justamente por isso. Pela disparidade das cenas incomuns, pelos sentimentos que nos levam a mundos desconhecidos, e que trazem aquele amor ao lúdico em toda a sua essência.
Amamos a vida pela incoerência de seus acontecimentos e pela falta completa de uniformidade numa direção pré estabelecida.
Quem conheceu e sabe definir regras para as coisas mais sugestivas da vida? Um grande amor, o deleite de um momento especial ou o encanto de realizar algo em cujo alicerce o nosso ego se realiza?
A grandiosidade de grandes momentos se realiza justamente nesse mister diário de procurar sempre a felicidade seja por intermédio do prazer ou da realização, até na própria dor desde que exista em seu conteúdo raízes de antepassados que carregaram uma dose de masoquismo incabido.
Viver! É tudo que aprendemos a amar quando nos primeiros anos de nossa vida acompanhamos passo a passo o desenrolar lento de tantos acontecimentos incompreendidos. E é vivendo e por essa razão que amamos, odiamos, choramos, sofremos, realizamos ou sorrimos e borbulhamos de alegrias transbordantes. Viver! Realmente é tudo que sabemos.
Vânia Moreira Diniz
Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar