Agora com ameaças de tanta violência, acordei hoje com uma sensação de vazio lembrando do meu amigo de infância que se foi tão prematuramente. Hoje seria aniversário dele
Era talvez o mais gentil e bonito e seus olhos azuis brilhavam sempre com doçura. Isso até que descobrisse as drogas. Ele tinha mais ou menos 13 anos quando notei o quanto estava diferente. Seu belo rosto, não era mais o mesmo e o olhar parecia coberto de névoa, quando um dia notei que não se assemelhava àquele menino gentil que cresceu junto comigo. Nós dois fazíamos parte de uma turma alegre e unida de Copacabana e no momento Celso diferia do modo de agir de todos nós. Imaginei que algo estava acontecendo, mas como saí muito cedo de casa, não pude acompanhar com detalhes o desenrolar dos acontecimentos Sempre perguntava por ele e me davam notícias normais, porém vagas. Um dia encontrando-me com seus pais soube todo o drama do meu companheiro tão querido.
Já havia sido internado três vezes e meus tios como eu os chamava estavam completamente perturbados. Parava no meio do tratamento e tinha horríveis crises de abstinência chegando a ficar em coma.
Lembrava-me então de pedaços de nossa vida, em que o doce Celso era um jovem sereno e sem problemas. Para variar, havia começado o caminho difícil na frente do tradicional colégio em que estudava e aos poucos foi se viciando a ponto de seu organismo necessitar cada vez mais intensa e urgentemente das drogas.
Segundo seus pais, várias vezes tentara parar, mas em pouco dias recomeçava os íngremes passos. Fui visitá-lo e quando me viu, um imenso sorriso apareceu em seu rosto emagrecido e triste. Ficamos abraçados durante algum tempo, eu recordando tantos dias cheios de sol e expressando meu carinho que se manifestava e ele certamente matando as saudades e recordando tempos felizes.
– Como é bom lhe ver. Nada mudou em você. Está mais exuberante e mais mulher.
Sorri, lembrando-lhe que havíamos crescido e recordando o quanto meu pai implicava conosco dizendo que ele era meu guarda costas e entristecida por sua mudança radical. Estava muito magro, seu rosto extremamente jovem tinha vincos profundos de expressão, e os olhos antes maravilhosos, estavam opacos.
-Já sei, quer me perguntar por que ainda não parei.
-Não quero perguntar-lhe isso. Quero pedir-lhe que tente seguir o tratamento sem subornar ninguém para trazer-lhe o que pode acabar com você.
-Não sabe o que é isso, Vânia. Por isso fala assim.
-Não sei, mas avalio. Quero apenas que você tente!
Mas quando nos olhamos novamente ambos choramos e nos abraçamos.
Segurei suas mãos frias procurando infundir-lhe calor e dizendo
– Diga alguma coisa em que possa ajudá-lo.
– Você já está ajudando, querida. Está aqui comigo. Não foge de mim…
– Agora você me surpreendeu! Ninguém foge de você!
-Sei que quer me consolar, mas muitos de nossos amigos não querem mais me ver…
-Não é verdade, Celso. Todos lhe amam. E não pense nisso, eu lhe peço. São impressões suas que ficam.
Eu morava em Brasília, já, mas toda vez que ia ao Rio o visitava e aproveitava para ficar conversando com ele várias horas. E na época do desastre eu estava no Rio. Fazia um curso lá durante alguns meses e portanto tinha oportunidade de visitar sempre o meu amigo.
CONCLUSÃO
Nesse dia a Avenida Copacabana estava além do movimento normal. Eu Estava fazendo companhia a meu pai, fôramos fazer alguma compra ali. Havia uma batida de carro bem à frente. Não dava para ver exatamente o que era quando várias pessoas ao meu lado, me contaram que um rapaz havia sido atropelado. Não sei por que me deu um pressentimento estranho. Não sabia quem era, claro, mas meu coração bateu acelerado não só por tristeza de um desastre assim, como porque pressentia que podia ser alguém conhecido.
Parecia que Copacabana inteira estava ali de tanta gente em volta. Fui andando sem me incomodar com a multidão e ainda de longe tive a impressão que a pessoa caída ali, atropelada, era alguém que eu conhecia… Meu pai pedia que eu não corresse tanto, mas não via mais nada. Meu pensamento estava ali, naquele corpo caído no chão e mortalmente ferido.
Tudo rodava em minha cabeça quando pude ver de longe deitado, atropelado o meu amigo de infância e fui em direção, mas um policial me pediu delicadamente que não chegasse mais perto. No meio de todo aquele transtorno apelava para meu pai como se ele pudesse como médico ressuscitar o meu amigo.
Daí em diante não vi mais nada. Só as vozes à minha volta, a dor enorme que se apoderou de mim e não sei exatamente nem como voltei para casa. Só sabia que Celso, quase irmão havia morrido atropelado e fora-se com ele um pouco de nossa infância. Fora-se jovem, sofrido e sem ter conseguido sobrepujar o consumo de drogas e na verdade como soube depois estava fugindo da clínica onde se encontrava em tratamento.
Vânia Moreira Diniz
Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar