Desde 01 de Março de 2022

Vânia Moreira Diniz

Querida mãe,

Há muito gostaria de ter-lhe escrito, porém um natural constrangimento impedia-me seguidamente de fazê-lo.

Nesse desabafo de minha alma, hoje tomada por uma nostalgia imensa porque me vem à memória pessoas que nos são caras, gostaria de antes de tudo expressar meu enorme amor. Sempre nos amamos, mas nunca podemos conversar com a alma liberta, não é mesmo? Pensamentos e conceitos diferentes separavam nossas ideias e para não nos perdermos em conflitos evitamos sempre aprofundarmos os temas que poderiam ser motivos de um diálogo interessante.

Sempre a admirei, mamãe pela sua força, caráter impecável e conquista de seus ideais. Pela sua maneira altiva e ao mesmo tempo natural com que fazia suas ideias sobrepujarem a de todos aqueles com quem convivia. Muitas vezes em nossas conversas você mostrava sempre a admiração que tinha por mim e demonstrava que minha força e qualidades deviam ser usadas no que você achava mais verdadeiro. Dizia que eu devia seguir a experiência de seus pensamentos e não me deixar levar pela sensibilidade e emoção.

Rememoro então os dias de minha infância em que a via tão jovem, mas tão decidida, disposta sempre a nos proteger do mundo imenso que eu queria freneticamente abraçar. Saí muito cedo de casa sem que pudéssemos discutir nosso modo contrastante de encarar a vida, os sentimentos e por conclusão a felicidade. Lamento, mamãe que tenha sido assim. Tão solene e tão distante!

Mas também não deixava de pensar no episódio que durante meses tanto nos uniu em sofrimento e afeição que foi a doença de meu irmãozinho e seu filho querido. Nela estivemos juntas para evitar tudo que viesse a fazê-lo sofrer. Eu só tinha doze anos, mas entendia o quanto de amargura e dor você carregava em seu coração de mãe. Vivemos um período dilacerante em que nos revezávamos sempre ao lado de sua cama. Éramos para ele as preferidas, alguém que o pequeno Cláudio chamava nas horas de agonia e crises constantes.

E nessa época ignoramos nossos pequenos e irrelevantes conflitos. Irrelevantes diante de um sofrimento muito maior. E eu talvez tenha esquecido que ainda era uma criança.

Talvez lhe dê um conforto muito grande saber que não me arrependi de nada que eu fiz. Tudo me trouxe benefícios de aprendizado e sabedoria. O mundo que hoje eu faço parte é fascinante para mim em todos os aspectos. A vida que estou vivendo, a minha literatura (essa você aprovava inteiramente), os meus conceitos, a minha vontade de viver cada vez mais, a sensibilidade exagerada, porém que eu procuro lapidar, a vontade de ajudar a quantos se aproximam de mim, a certeza dos contrastes da existência e a maravilha de todos os fenômenos que nos cercam não me fazem uma deslumbrada, mas uma admiradora incontestável da vida e tem feito da minha estrada algo gratificante e superlativamente encantador. Não que não tenha havido momentos difíceis! E como os houve! Mas o sofrimento amadurece e nos dá uma visão mais verdadeira e naturalmente mais consistente. Faz com que demos maior valor aos momentos felizes!

Eu procuro me lembrar, sempre, mamãe que temos uma só vida e que nos momentos de alegria ou tristeza estamos participando e conjugando na prática o verbo viver. Muitas vezes você me dizia que eu tinha tanta premência de realizar tudo logo e cedo que parecia que a vida acabaria no dia seguinte. Nesse particular continuo com a mesma urgência e a mesma gana de realizar tudo que sonho ou visualizo em meu caminho.

Mas foi para lhe dar notícias de minha alma que escrevi. Porque quando estamos juntas é mais difícil. E quero lhe agradecer, mãe. Por ter me carregado nove longos meses, me trazido a esse mundo que amo, por ter me acalentado, educado e amado. Por ter me dado condições para ser o que sou hoje e me proporcionado muito e especial conforto. Digo também obrigado pelos meus irmãos. E pelo meu pai. Até por sermos diferentes o que revela que você pôs um ser integral com suas próprias qualidades e deficiências. E por ter muitas vezes sorrido e chorado comigo.

E também quero lhe pedir perdão pelos momentos de incoerência, por não ter lutado por um diálogo, por ter sido até certo ponto displicente e alheia. Por ter lhe deixado tão cedo e até por meus sonhos não terem sido iguais aos seus. Eu teria ficado feliz, se fosse possível! De verdade!

Mas acima de tudo escrevi essa carta, mamãe para dizer-lhe que a amo e que isto está acima de qualquer conflito, contraste ou pensamento. Está acima da vida e muito além de qualquer divergência. E contemplando com ternura seus negros olhos posso enxergar seu amor cujo reflexo jamais deixei de sentir e que invariavelmente devolvia como faíscas luminosas do meu próprio amor.

Com enorme e indescritível carinho
Vânia
Bsb 13-11-2000

Da Vânia Moreira Diniz

Conteúdo atualizado pela equipe Essenciar  

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